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ID
2307319
Banca
MS CONCURSOS
Órgão
Prefeitura de Piraúba - MG
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto e responda a questão:

O vagabundo na esplanada. (Manuel da Fonseca, autor português). 

A surpresa, de mistura com um indefinido receio e o imediato desejo de mais acautelada perspectiva de observação, levava os transeuntes a afastarem-se de esguelha para os lados do passeio. Pela clareira que se abria, o vagabundo, de mãos nos bolsos das calças, vinha despreocupadamente, avenida abaixo. 
Cerca de cinquenta anos, atarracado, magro, tudo nele era limpo, mas velho e cheio de remendos. Sobre a esburacada camisola interior, o casaco puído nos cotovelos e demasiado grande, caía-lhe dos ombros em largas pregas, que ondulavam atrás das costas ao ritmo lento da passada. Desfiadas nos joelhos, muito curtas, as calças deixavam à mostra as canelas, nuas, finas de osso e nervo, saídas como duas ripas dos sapatos cambados. Caído para a nuca, copa achatada, aba às ondas, o chapéu semelhava uma auréola alvacenta.  
Apesar de tudo isso, o rosto largo e anguloso do homem, de onde os olhos azuis-claros irradiavam como que um sorriso de luminosa ironia e compreensivo perdão, erguia-se, intacto e distante, numa serena dignidade. Era assim, ao que se via, o seu natural comportamento de caminhar pela cidade.
Alheado, mas condescendente, seguia pelo centro do passeio com a distraída segurança de um milionário que obviamente se está nas tintas para quem passa. Não só por educação, mas também pelo simples motivo de ter mais e melhor em que pensar.  
O que não sucedia aos transeuntes. Os quais, incrédulos ao primeiro relance, se desviavam, oblíquos, da deambulante causa do seu espanto. E à vista do que lhes parecia um homem livre de sujeições, senhor de si próprio em qualquer circunstância e lugar, logo, por contraste, lhes ocorriam todos os problemas, todos os compadrios, todas as obrigações que os enrodilhavam. E sempre submersos de prepotências, sempre humilhados e sempre a fingir que nada disso, lhes acontecia. 
Num instante, embora se desconhecessem, aliviava-os a unânime má vontade contra quem tão vincadamente os afrontava em plena rua. Pronta, a vingança surgia.. Falavam dos sapatos cambados, do fato de remendos do ridículo chapéu. Consolava-os imaginar os frios, as chuvas e as fomes que o homem havia de sofrer. Entretanto, alguém disse: 
- Vê-se com cada sujeito.  
Um senhor vestido de escuro, de pasta negra e luzidia, colocada ostensivamente ao alto e bem segura sob o braço arqueado, murmurou azedamente:  
- Que benefício trará tal criatura à sociedade?  
- Devia era ser proibido que gente desta (classe) andasse pelas ruas da cidade – murmurou, escandalizada, uma velha senhora a outra velha senhora de igual modo escandalizada. E assim, resmungando, se dispersavam, cada um às suas obrigações, aos seus problemas. Sem dar por tal, o homem seguia adiante.  
Junto dos Restauradores, a esplanada atraiu-lhe a atenção. De cabeça inclinada para trás, pálpebras baixas, catou pelos bolsos umas tantas moedas, que pôs na palma da mão. Com o dedo esticado, separou-as, contando-as conscienciosamente. Aguardou o sinal de passagem e saiu da sombra dos prédios para o sol da tarde quente de verão.  
Ao meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se. 
Após acomodar-se o melhor que o feitio da cadeira de ferro consentia, tirou os pés dos sapatos, espalmou-os contra a frescura do empedrado, sob o toldo. As rugas abriram-lhe no rosto curtido pelas soalheiras um sorriso de bem-estar.
Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera a indignação. 
Ausente, o homem entregava-se ao prazer de refrescar os pés cansados, quando um inesperado golpe de vento ergueu do chão a folha inteira de um jornal, e enrolou-lha nas canelas. O homem apanhou-a, abriu-a. Estendeu as pernas, cruzou um pé sobre o outro. Céptico, mas curioso, pôs-se a ler. 
O facto, de si tão discreto, pareceu constituir a máxima ofensa para os presentes. Franzidos, empertigaram-se, circunvagando nos olhos, como se gritassem: “Pois não há um empregado que venha expulsar daqui este tipo!” Nas caras, descompostas pelo desorbitado melindre, havia o que quer que fosse de recalcada, hedionda raiva contra o homem malvestido e tranquilo, que lia o jornal na esplanada.  
Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:
- Não pode... 
E calou-se. O homem olhava-o com benevolência.
- Disse? 
 É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito. Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distração, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou:  
Que direito vem a ser esse? 
- Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.
- E é a mim que vem dizer isso?
O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe. 
- Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também me não parecem lá grande coisa. O empregado nem podia falar. 
Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente: 
- Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo.  

Assinale a alternativa incorreta quanto ao entendimento do texto:

Alternativas
Comentários
  • c) A expressão “à vontade”, no texto, é empregada como adjunto adverbial. 

     

    Texto grande...

  • Que texto pessimo dessa banca :/

  • Com o à vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se. 

    expressão empregada como substantivo, uma vez que está antecedida de artigo e pode ser substituída por um substabtivo, tal como: com o ar/ espírito/jeito de um frequentador ...

     

  • "Com o à vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se."

     

    Via de regra, advérbios e locuções adverbiais funcionam como adjuntos adverbiais. A expressão "à vontade" é uma locução adverbial, mas nesse caso ela foi "substantivada" devido à colocação do artigo definido "o", que a antecede.

  • Lucas e demais colegas, uma duvida: já que a loc adv passou a ser um termo substantivado, não estaria o gabarito errado? E por qual motivo a alternativa A não é a resposta? Grata