SóProvas


ID
2356672
Banca
CONSULPLAN
Órgão
CFESS
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                            São só contas de vidro

      Os índios ficaram deslumbrados com as contas de vidro que os portugueses lhes davam. Por quê? Por causa da beleza dessas contas de vidro? Pouco provável. Para encontrar coisas belas, tudo o que os nativos tinham de fazer era olhar ao redor: as árvores, os pássaros, as flores. Mas as contas de vidro representavam duas coisas. Em primeiro lugar, eram novidade, coisa desconhecida por ali. Em segundo lugar, eram novidade, de uma tecnologia que os índios não dominavam e que, por isso, admiravam. Mais de cinco séculos se passaram e continuamos dominados pela mesma reverência à tecnologia. Exemplo: o automóvel tem absoluta prioridade em relação aos pedestres, mesmo em situações em que estes são vários e em que o veículo transporta uma única pessoa. Muitos brasileiros ficam assombrados ao saber que em Brasília os motoristas respeitam a faixa de segurança. Em outras cidades, faixa de segurança é mero detalhe, pouco importante diante da potência que é o automóvel. Isso também explica a quantidade de acidentes de trânsito que temos; a sensação de poder de que goza o motorista muitas vezes perturba sua capacidade de discernimento.

      O verdadeiro progresso traz junto consigo os mecanismos de controle para esses excessos. Na Europa e nos Estados Unidos, os motoristas, em geral (claro que há numerosas exceções), dirigem com cautela, pela simples razão de que podem responder no tribunal por qualquer problema, até mesmo psicológico, que venham a causar a outras pessoas. A noção de espaço público lá está muito presente. No Brasil é diferente. Se o espaço é público, isso não significa que é de todos, que todos têm de cuidar dele; não, se o espaço é público, ele não é de ninguém. Nos cinemas brasileiros, celulares tocam com frequência e às vezes seus proprietários mantêm longas conversas, em voz alta, durante a exibição do filme. Os outros espectadores que se lixem. Existe aí um motivo adicional, além do desrespeito ao local coletivo. O telefone, no Brasil, ainda guarda a aura de um passado em que era privilégio de poucos. Conseguir uma linha era missão quase impossível. Quem tinha telefone tinha poder, e esta imagem, de certo modo, persiste. Infelizmente, porque poucos meios de comunicação são tão invasivos. Cartas e e-mails ficam pacientemente à nossa espera. O telefone, não. O telefone soa insistentemente, e temos de atender, não importa o que estejamos fazendo no momento – almoçando, tomando banho, fazendo amor. E quem liga também não dá bola para esses detalhes. A elementar pergunta – “Você pode falar? ” – raramente é feita. Ligação telefônica desloca para um segundo plano qualquer outra coisa. Digamos que você esteja sendo atendido por um funcionário no banco. Se tocar o telefone, você e todos os outros que estão esperando terão de se conformar: o funcionário atenderá à chamada, não raro longa.

      O celular é ótima coisa. Pessoas que, por falta de telefone, ficavam em verdadeiro estado de marginalização social, agora podem se comunicar facilmente. Existe hoje uma verdadeira cultura do celular, mas ela, infelizmente, ainda não inclui a noção de respeito ao outro. Chegaremos lá, claro, se não mediante leis, como fazem os países mais adiantados, então pela evolução natural da arte do convívio. As pessoas aprendem. E um dia descobrem que as brilhantes contas de vidro são só isto: contas de vidro.

              (SCLIAR, Moacyr. Do jeito que nós vivemos. Belo Horizonte: Ed. Leitura, 2007.)

De acordo com as ideias trazidas ao texto, pode-se afirmar em relação ao título apresentado que

Alternativas
Comentários
  • Percebam que quando ele diz "São só" dá uma noção de subjetividade, dando uma noção que na verdade não é algo tão simples.

  • Gabarito: B 

     

    Creio que quando o autor diz que "São só contas de vidro", quer se expressar no sentido de que as contas de vidro dadas aos índios não têm nada de especial. Houve admiração por parte dos índios por ser algo novo, nunca visto antes, mas, na realidade, não era nada extraordinário: realmente são apenas contas de vidro sem valor relevante. Comprova-se pelo trecho no fim do texto: "E um dia descobrem que as brilhantes contas de vidro são isto: contas de vidro."

     

    O mesmo vale para as novas tecnologias que, quando chegam à sociedade causam deslubramento às pessoas simplesmente por ser algo novo. No entanto, assim como as contas de vidro, não têm nada de especial, são apenas novas tecnologias.

  • Gabarito: B

    Orientação argumentativa
    orientação argumentativa de um discurso é a direção que o enunciador, explícita ou implicitamente, procura levar o enunciatário a seguir, para que este aceite, sem maiores questionamentos, a conclusão final. Assim, num artigo de opinião que pretenda defender a proibição do fumo em locais públicos, um título como “Temos o direito de poluir o ar do próximo?” orienta o leitor para um rumo favorável à argumentação desenvolvida e, em especial, à conclusão de que, nessas condições, o fumo deve ser proibido.

     

    Fonte: https://www.escrevendoofuturo.org.br/ava/course/sdresenhas/glossario/glossario.php?abc=o. Acessado em 24/07/2017