SóProvas


ID
2375224
Banca
Aeronáutica
Órgão
CIAAR
Ano
2011
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                             A dor do mundo

      Por muito tempo achei – escrevi e disse – que os males humanos foram sempre mais ou menos os mesmos, e que a loucura toda já contamina o nosso café da manhã pelo universo cibernético. As aflições, as malandragens, as corrupções, os assassinatos absurdos, os piores aleijões morais, tudo é meu, seu, nosso pão de cada dia. Mas, de tempos para cá, comecei a achar que era lirismo sentimental meu. Estamos bem piores, sim. Por sermos mais estressados, por termos valores fracos, tortos ou nenhum, porque estamos incrivelmente fúteis e nos deixamos atingir por qualquer maluquice, porque até nossos ídolos são os mais transtornados, complicados. Nossos desejos não têm limite, nossos sonhos, por outro lado, andam ralinhos. Temos manias de gourmet, mas não podemos comer. Vivemos mais tempo, mas não sabemos o que fazer com ele. Podemos ter mais saúde, mas nos intoxicamos com excesso de remédios. Drogas habituais não bastam, então usamos substâncias e doses cavalares.

      A sexualização infantil é um fato e começa em casa com mães amalucadas e programas de televisão pornográficos a qualquer hora do dia. O endeusamento da juventude a enfraquece, os adolescentes lidam sozinhos com a explosão de seus hormônios e a permissividade geral que anula limites e desorienta.

      ”(...)”

      Uma cantora pop, que me desinteressava pela aparência e por algumas músicas, morre, mata-se, por uso desmedido de drogas (álcool sendo uma delas) aos 27 anos. Logo se exibe (quase com orgulho, ou isso já é maldade minha?) uma lista de brilhantes artistas mortos na mesma idade pela mesma razão. Nas homenagens que lhe fazem, de repente escuto canções lindas, com uma voz extraordinária: mais triste ainda, pensar que esse talento se perdeu.

      “(...)”  

      Viramos assassinos ao volante, de preferência bêbados. Nossos edifícios precisam ter portarias treinadas como segurança, nossas casas, mil artifícios contra invasores, andamos na rua feito coelhos assustados. Não há lugar nas prisões, então se solta a bandidagem, as penas são cada vez mais brandas ou não há pena alguma. Pena temos nós, pena por nós, pela tão espalhada dor do mundo. Sempre falando em trilhões, brigando por quatrilhões, diante da imagem das crianças morrendo de fome na Etiópia, na Somália e em outros países, tão fracas que não têm mais força para engolir o mingau que alguma alma compadecida lhes alcança: a mãe observa apática as moscas que pousam no rostinho sofrido. Estou me repetindo, eu sei, talvez assim alivie um pouco a angústia da também repetida indagação: que sociedade estamos nos tornando?

      Eu, recolhida na ponta inferior deste país, sou parte dela e da loucura toda: porque tenho alguma voz, escrevo e falo, sem ilusão de que adiantará alguma coisa. Talvez, como na vida das pessoas, esta seja apenas uma fase ruim da humanidade, que conserva fulgores de solidariedade e beleza. Onde não a matamos, a natureza nos fornece material de otimismo: uma folha de outono avermelhada que a chuva grudou na vidraça, a voz das crianças que estão chegando, uma música que merece o termo “sublime”, gente honrada e produtiva, ou que cuida dos outros. Ainda dá para viver neste planeta. Ainda dá para ter esperança de que, de alguma forma, algum dia, a gente comece a se curar enquanto sociedade, e a miséria concreta não mate mais ninguém, enquanto líderes mundiais brigam por abstratos quatrilhões.

           (Lya Luft – Revista Veja – Edição 2228 – ano 44 – nº 31 – 3 de agosto de 2011)  

O título do texto “A dor do mundo” constitui um exemplo da figura de linguagem designada

Alternativas
Comentários
  • Por que não "prosopopéia"?
  • C- metonímia.

  • Metonímia: ocorre quando empregamos uma palavra em lugar de outra, com a qual aquela se achava relacionada por um sentido qualquer. A metonímia estabelece uma relação qualitativa entre os termos, ou seja, a implicação entre os conceitos decorre da relação de contiguidade entre eles. Por exemplo, a causa pelo efeito, o continente pelo conteúdo, o autor pela obra, o lugar pelo produto, o instrumento pela pessoa que o utiliza.

    Veja:

    a) “Para gostar de literatura, não comece lendo Shakespeare”. [Seus livros]

    b) “Sócrates tomou a morte”. [Veneno]

    c) “Na atual conjuntura, espera-se que a balança penda para o lado dos honestos”. [A justiça]

    d) “Esta é a geração Danoninho”. [Queijo “petit suisse”, da marca Danone].

    Personificação (ou PROSOPOPEIA) – figura de linguagem que consiste em atribuir características, ações e sentimentos próprios de seres humanos a seres inanimados e a seres irracionais. A personificação é considerada uma figura de pensamento porque está ligada à compreensão do texto, oral ou escrito, e tem por objetivo realçar a expressividade da mensagem, possibilitando a criação de um mundo mais poético.

    Observe os exemplos abaixo:

    • “As margens plácidas do [rio] Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico...” (Hino Nacional Brasileiro)

    • “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada...” (cantiga popular)

    • “As casas espiam os homens/Que correm atrás das mulheres.” (Carlos Drummond de Andrade)

    A prosopopeia é um das figuras mais usadas nos textos literários, principalmente fábulas e apólogos. Mas está presente, também, nas conversas cotidianas, por meio de expressões como “a vida é cruel”, “o carnaval da Bahia pede passagem“, “o Rio pede socorro!”, “a cidadezinha chora a morte...” etc.

  • Acredito que seja "prosopopéia"

  • Acredito que o gabarito esteja errado, pois seria prosopopeia/personificação, pois estão dando sentidos humanos a coisas abstratas

  • A dor do mundo------ está falando sobre a dor das pessoas e não do mundo em si.

    C-metonímia

  • O gabarito está incorreto. Alternativa seria letra D

    *Pesquisa através de outras fontes*

  • Prosopopeia: personificação de coisas inanimadas

    Catacrese: metáfora já absorvida no uso comum da língua (braço do sofá)