Inicialmente, vamos dar um breve
contexto sobre licitações no âmbito da administração pública.
Conforme estabeleceu o inciso XXI do
art. 37 da CF/88, ressalvados os casos especificados na legislação,
as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes
,
com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento
das obrigações.
Podemos definir
licitação como:
Procedimento administrativo formal
em que a Administração Pública
convoca, por meio de condições
estabelecidas em ato próprio (edital ou convite),
empresas
interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de bens e
serviços
(Tribunal de Contas da União, 2010, p. 19).
Nesse sentido, a regulamentação do
supratranscrito inciso XXI do art. 37 da CF/88 foi feita pela
Lei
8.666/1993, a qual estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos
administrativos
pertinentes a obras, serviços, inclusive de
publicidade, compras, alienações e locações
no âmbito dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Já o caput do art. 3 da Lei 8.666/1993
estabeleceu
alguns princípios que regem as licitações e contratações
públicas:
A licitação destina-se a garantir
a
observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta
mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável
e será processada e julgada em estrita
conformidade com
os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade
administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo
e dos que lhes são correlatos.
Cumpre frisar que “seleção da proposta
mais vantajosa para a administração" não é sinônimo de “proposta mais barata",
já que, além do preço, outros critérios podem ser estabelecidos pela
administração da pública.
Vamos então à análise das assertivas:
A)
CORRETA. Inicialmente,
registra-se que, nos termos do § 1º do art. 113 da Lei 8.666/1993, o licitante possui legitimidade para representar ao Tribunal de Contas contra irregularidades
identificadas em licitações.
De acordo com o enunciado da questão, o
licitante derrotado alega, em suma, que o Secretário da Educação promoveu
alterações no Termo de Referência para contrato de fornecimento
de refeições em unidades de ensino, o que, segundo o representante, teria elevado,
de forma desarrazoada, as despesas com o fornecimento de refeições, onerando os
cofres público.
Ressalta-se que o simples fato de aumento no valor no Termo de Referência não constitui irregularidade. Ademais, dado que
o gestor introduziu novos critérios no objeto da licitação, visando a uma alimentação
saudável, é razoável que haja um acréscimo de valor em relação ao contrato
passado.
Nesse sentido, a análise do Tribunal de
Contas recairia sobre o respeito aos ditames legais referentes ao procedimento
licitatório, incluindo aí as justificativas para alteração do objeto da licitação,
sem, contudo, invadir o “mérito administrativo'.
Logo, se o certame foi conduzido dentro
da legalidade e restar-se justificado pelo gestor a alteração do objeto da licitação,
para inclusão desses novos parâmetros alimentares, a impugnação seria improcedente.
B)
INCORRETA. Cabe destacar que
os Tribunais de Contas podem analisar aspectos dos atos discricionários, desde
que respeitada a discricionariedade administrativa, cujos limites são estabelecidos
pela lei [1]. Nesse sentido, não pode o gestor alegar “discricionariedade" se o
ato praticado extrapola a margem discricionária estabelecida pela lei.
Dito isso, no caso em análise, o
licitante representante apenas indicou que houve alteração do termo de referência,
o que aumentou o valor previsto para contratação em comparação com o contrato
anterior. Como já visto na análise da alternativa A, isso, por si só,
não constitui qualquer irregularidade.
Ademais, outro erro na questão é
afirmar que o Tribunal de Contas poderia “anular" o contrato. A Constituição Federal
não outorgou competência ao Tribunal de Contas da União e, por simetria, aos
demais Tribunais de Contas, para sustar ou anular contratos celebrados pela administração
pública.
O TC pode determinar à autoridade administrativa que promova a
anulação, conforme expresso abaixo no entendimento do Supremo Tribunal Federal:
O TCU,
embora não tenha poder para
anular ou sustar contratos administrativos
, tem competência, conforme o art.
71, IX,
para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do
contrato
e, se for o caso, da licitação de que se originou.[MS 23.550, rel. p/ o ac. min.
Sepúlveda Pertence, j. 4-4-2002, P, DJ de 31-10-2001.] = MS 26.000, rel. min. Dias Toffoli, j.
16-10-2012, 1ª T, DJE de 14-11-2012 (grifou-se)
C)
INCORRETA. Conforme
ensinamentos de DI PIETRO (2017, p. 252) [1], “não pode o Poder Judiciário
invadir o espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois caso contrário,
estaria substituindo, por seus próprios critérios de escolha,
a opção
legítima
feita pela autoridade competente com base em razões de
oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante
de cada caso concreto".
Logo, assim como no controle externo
exercido pelos Tribunais de Contas, não cabe ao Poder Judiciário, em sede de controle
judicial, substituir o gestor em suas decisões.
Isso, não significa, contudo, que atos
discricionários não sejam passíveis de controle judicial e/ou externo. De acordo
com DI PIETRO (2017, p. 251 e 252) [1], o judiciário, por exemplo, pode
examinar se a discricionariedade administrativa respeitou os limites
estabelecidos pela lei, se houve desvio de poder, se os motivos indicados para prática
do ato administrativo são verdadeiros.
D)
INCORRETA. De início, já vimos que
os Tribunais de
Contas não detêm competência unilateral para sustar ou anular contratos administrativos
(No caso da União, o Congresso Nacional detém a competência para sustar contratos).
Ademais, não pode o Poder Judiciário ou Tribunal de Contas substituir o papel
do gestor público. Nesse sentido, conforme já abordado anteriormente, a análise
de atos discricionários deve respeitar o 'mérito administrativo'.
Frisa-se que, no controle judicial exercido
pelo Poder Judiciário, caso detectada alguma ilegalidade, poderá ser decretada
a nulidade do ato administrativo.
Todavia, com a inovação promovida em 2018 na Lei
de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a decisão que, nas esferas
administrativa, controladora ou judicial,
decretar a invalidação de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa
deverá indicar de
modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas
(art. 21 do
Decreto-Lei 4.657/1942)
E)
INCORRETA. Conforme versaram os art. 70 e 71 da CF/88,
os Tribunais de Contas possuem competência para examinar a legalidade, legitimidade
e economicidade de atos praticados pelos seus jurisdicionados. Nesse esteio,
essa análise não se restringe à fase do procedimento licitatório, como afirma essa
assertiva, abarcando também a execução do contrato.
Ademais, cumpre relembrar que certos
aspectos dos atos discricionários podem ser objeto de análise por parte do
Controle Externo e/ou Controle Judicial, desde que respeitado o “mérito
administrativo".
GABARITO LETRA A.
Por fim, transcrevem-se abaixo
alguns
entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Contas da União acerca do controle de atos discricionários e o respeito ao mérito administrativo:
Acórdão 906/2015-Plenário | Relator:
BRUNO DANTAS: O TCU pode proferir determinações não somente nos casos de
ocorrência de ilegalidade, como também nos casos de falhas ou impropriedades,
inclusive as de ordem operacional (art. 70 da Constituição Federal c/c art. 1º,
inciso II, art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992 e art. 250, inciso II, do
Regimento Interno do TCU) . Fica no âmbito de discricionariedade do
administrador público a escolha da melhor solução a ser adotada para corrigir
as falhas verificadas;
Acórdão 1077/2015-Plenário | Relator:
AROLDO CEDRAZ:
O TCU, no uso de suas competências constitucionais, exerce o
controle do poder discricionário da Administração Pública, por meio da proteção
e da concretização dos princípios constitucionais e diretrizes legais aplicáveis,
bem assim pelo critério da razoabilidade, controlando eventuais omissões,
excessos ou insuficiências na atuação dos órgãos e entidades envolvidos;
Acórdão 600/2019-Plenário | Relator: AUGUSTO
NARDES: Medidas afetas à discricionariedade do gestor ou que impõem ao órgão
público obrigações não previstas na legislação não podem ser objeto de
determinação do TCU, e sim de recomendação;
Acórdão 1614/2019-Plenário | Relator: ANA ARRAES: O
TCU, ao prolatar decisões que imponham ao administrador público o dever de
corrigir ou alterar atos eivados de irregularidades, não deve se imiscuir nos
procedimentos que serão adotados pela autoridade competente, sob pena de ferir
o princípio da discricionariedade dos atos administrativos, uma vez que o
responsável, dentro do seu juízo de conveniência e oportunidade, deve decidir
como operar para corrigir tais atos, adotando medidas para resguardar o
interesse público.
REFERÊNCIAS: [1] DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Direito administrativo. 30.ed. Rev.,
atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.