SóProvas


ID
2553073
Banca
IBADE
Órgão
SEDUC-RO
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                              Papo sobre o óbvio

      Uma coisa que faço com frequência é descobrir o óbvio. Isto é, óbvio para os outros, porque, de repente, percebo ali algo inexplicável e fascinante. Difícil é expressá-lo.

      Um troço que me deixa surpreso é descobrir que uma menininha, de uns poucos anos, fala. Você pode retrucar - e daí? Gato mia antes de apreender a andar. É verdade, mas miar é uma coisa e falar é outra. Não me diga que o nosso falar equivale ao miado do gato, pois esse é um argumento que não aceito, uma que falar, diferente de miar, implica raciocinar, e foi isso que subitam ente me surpreendeu: a menina fala, pensa...

      Vou ver se me explico. Aquela menininha, que agora fala e sabe o que quer, faz pouco tempo era um bebezinho que só esperneava, bracejava e grunhia. E foi assim que, inesperadamente, me perguntei: mas de onde vem isso? Sim, porque macaco é inteligente, mas não dispõe de uma linguagem logicamente construída, com sujeito, verbo, objeto...

      É certo que não foi aquela menina que inventou essa linguagem, mas a verdade é que, tivesse ela nascido no Japão ou na Austrália, em Angola ou no Chile, falaria do mesmo modo -noutra língua, claro -, usaria uma linguagem que implica raciocinar, julgar, opinar, negar, afirmar, inventar.

      Não sei se estou me fazendo entender, mas o certo é que me deixo ficar fascinado e perplexo por esse fato, ou seja, que diferente de todos os outros animais, eu e você somos capazes de construir um mundo de idéias, valores e opiniões. E mais: somos capazes de elaborar conceitos que buscam dar sentido à existência.

      Está claro agora? Talvez sim e talvez não. Adificuldade é que estou tentando explicar uma coisa que nem eu mesmo entendo. O que acabo de dizer, quanto à capacidade das pessoas é certo e é sabido. E óbvio mesmo, o que não corresponde ao que me parece maravilhoso, que percebi quando ouvi a menina falar: nasceu com ela a capacidade de pensar?

      A gente diz que ensinamos as crianças a falar. Sim, mas elas só aprendem porque são animais falantes. Duvido que alguém ensine um gato a falar. Conheci uma família que tinha um filho caçula, que já com dois anos não falava. Por mais que a mãe insistisse e o fizesse repetir “minha mãe gosta do Zezinho”. Ele ouvia, sorria e não falava nada. A mãe começou a se desesperar, temendo que o filho fosse mudo. E não é que, certo dia, ele disparou a falar? Sabia o nome de tudo, construía as frases perfeitamente, deixando a família inteira boquiaberta.

      É que, na verdade, a criança aprende a língua do país em que ela nasceu. Mas o falar mesmo, que implica ser capaz de formular pensamentos e comunicar-se com os outros, isso nasce com a pessoa, é uma qualidade específica do bicho humano. Pensando melhor, digo que é mais que isso: a criança fala porque pensa e, por pensar, constrói uma compreensão da vida e do mundo. Isso já está latente nas primeiras palavras que a criança balbucia.

      Claro, dirá você, isso é o óbvio - e é, mas é nele que reside a nossa espantosa capacidade de inventar a vida, de inventar o mundo, já nas paredes das cavernas, quando desenharam-se as primeiras imagens do bisão.

      Mas o que me espanta não é exatamente isso e, sim, de onde vem isso, essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?), que ainda nem mesmo enxerga. Entendo que alguns acham que foi Deus que nos criou assim e, portanto, não há por que se espantar. Mas há quem, ainda assim, se espante.

      Já me vi espantado até mesmo com as aranhas, conforme já falei aqui nesta coluna. Como explicar que ela produza uma teia que é transparente para que sua possível presa - uma mosca, que seja - não a veja; e que essa teia seja pegajosa para impedir que o inseto que cair ali consiga se safar? Tudo como tem que ser. E ela, a aranha, depois de estender a teia como uma armadilha num ponto estratégico da parede, coloca-se no centro dela e ali fica, dias e dias, semanas, meses, esperando que a presa caia na armadilha e ela possa comê-la.

      E quem contou à aranha que ali há moscas, que as moscas voam e que cedo ou tarde cairão na teia? A verdade é que com uma invejável capacidade artesanal e plena consciência do que faz, está ela ali, confiando no acaso que, para alguns, é Deus.

GULLAR. Ferreira. Papo sobre o óbvio. Folha de S.Paulo, 18 maio 2014. Extraído do site:<www1folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/2Q14/G5/1455377- papo-sobre-o-obvio.shtml>.

Em “Mas o que me espanta não é exatamente isso e, sim, de onde vem isso, essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?), que ainda nem mesmo enxerga.”, a correção gramatical do segmento seria preservada, sem haver alteração semântica, caso:


1. fosse acrescentada uma vírgula após MAS.

2. fossem retirados os parênteses.

3. a frase fosse iniciada por SIM.

4. o último do QUE fosse substituído por O QUAL.


Estão corretas apenas:

Alternativas
Comentários
  • Alguém poderia explicar essa questão? Obrigada!

  • Acredito que a banca não explicou corretamente a pergunta, pois somente O MAS poderia ser usado em intercalações. - Correta

    Lembremos que o "mas" serve sempre para ligar duas orações. Portanto, ele só vem no início da frase em contextos muito específicos (como o exemplo abaixo, que traz duas orações intercaladas pelas vírgulas)

    Mas, disse ela, não saio daqui sem meus filhos.

    https://novaescola.org.br/conteudo/202/dempre-devo-usar-virgula-antes-da-palavra-mas


    2. Oração "essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?)", no caso ele fez uma referência a um pensamento próprio, caso retirasse o parênteses toda a oração seria uma dúvida e não somente o embrião no lugar de recém-nascido.


    3. Reescrita - "Sim mas o que me espanta não é exatamente isso e...", a frase fica sem sentido.


    4. Frase "essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?), que ainda nem mesmo enxerga"

    Substuição "essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?), o qual ainda nem mesmo enxerga". Correta Frase, pois QUE no sentido de pronome relativo.


  • 2 - O erro da 2 é o ponto de Interrogação do "ou no embrião?"

    3- O "mas" é uma conjunção adversativa (uma contradição). o "sim" seria uma afirmação

  • Os professores do Grancursos sempre reafirmam que é proibida a virgula após o mas. Juro que não entendi esta...

  • ibosta

  • A questão é sobre reescrita e quer saber qual item abaixo faz a afirmação correta sobre as alterações que poderiam ser feitas.

    1. fosse acrescentada uma vírgula após MAS.

    Correta. A banca afirma está correta a alternativa, contudo segundo Maria Tereza de Queiroz Piacentini é incorreto o uso de vírgula após a conjunção adversativa "mas". "Nenhuma vírgula vem depois, à direita da conjunção [ * mas , quero que saiam], nem pode, exceto se essa vírgula marcar o início de uma intercalação: É mau autor. Mas, como se vê, faz sucesso. Pelo fato de sempre encabeçar oração, fica excluída a possibilidade de "mas"se apresentar entre vírgulas".Portanto o item está incorreto, mas não segundo a banca.

    2. fossem retirados os parênteses.

    Incorreta. Os parênteses foram usados para intercalar uma informação acessória e por isso a retirada causaria mudança de sentido no contexto.

    3. a frase fosse iniciada por SIM.

    Incorreta. Ao colocar o sim mudaria a adversidade da conjunção" mas"

    4. o último do QUE fosse substituído por O QUAL.

    Correta. O "que" quando pronome relativo retoma um termo anteriormente dito, no caso está retomando "recém-nascido", um pronome relativo pode ser trocado por outro desde que respeite a concordância. Portanto a troca por "o qual" é perfeitamente indicado.

    Após a análise segundo a banca temos o item 1 e 4 corretos.

    Após a minha análise com base na obra Só Vírgula Método fácil em vinte lições, somente o item 4 está correto.

    Referência biográfica.

     PIACENTINI,Maria Tereza de Queiroz. Só Vírgula Método fácil em vinte lições. 3 ed. Editora:- EdUFSCar. São Carlos, 2012.

    GABARITO DA BANCA: C

    GABARITO DO MONITOR: Nulo por não haver resposta.