SóProvas


ID
2619409
Banca
CONSULPLAN
Órgão
Câmara de Belo Horizonte - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Come, meu filho


      – O mundo parece chato mas eu sei que não é.

      [...]

      – Sabe por que parece chato? Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo, nunca está de lado. Eu sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo. Eu sei que é redondo, mas para mim é chato, mas Ronaldo só sabe que o mundo é redondo, para ele não parece chato.

      – ...

      – Porque eu estive em muitos países e vi que nos Estados Unidos o céu também é em cima, por isso o mundo parecia todo reto para mim. Mas Ronaldo nunca saiu do Brasil e pode pensar que só aqui é que o céu é lá em cima, que nos outros lugares não é chato, que só é chato no Brasil, que nos outros lugares que ele não viu vai arredondando. Quando dizem para ele, é só acreditar, pra ele nada precisa parecer. Você prefere prato fundo ou prato chato?

      – Chat... raso, quer dizer.

      – Eu também. No fundo, parece que cabe mais, mas é só para o fundo, no chato cabe para os lados e a gente vê logo tudo o que tem. Pepino não parece inreal?

      – Irreal.

      – Por que você acha?

      – Se diz assim.

      – Não, por que é que você também achou que pepino parece inreal? Eu também. A gente olha e vê um pouco do outro lado, é cheio de desenho bem igual, é frio na boca, faz barulho de um pouco de vidro quando se mastiga. Você não acha que pepino parece inventado?

      – Parece.

      – Onde foi inventado feijão com arroz?

      – Aqui.

      – Ou no árabe, igual que Pedrinho disse de outra coisa?

      – Aqui.

      – Na Sorveteria Gatão o sorvete é bom porque tem gosto igual da cor. Para você carne tem gosto de carne?

      – Às vezes.

      – Duvido! Só quero ver: da carne pendurada no açougue?!

      – Não.

      – E nem da carne que a gente fala. Não tem gosto de quando você diz que carne tem vitamina.

      – Não fala tanto, come.

      – Mas você está olhando desse jeito para mim, mas não é para eu comer, é porque você está gostando muito de mim, adivinhei ou errei?

      – Adivinhou. Come, Paulinho.

      – Você só pensa nisso. Eu falei muito para você não pensar só em comida, mas você vai e não esquece.

(LISPECTOR, Clarice. Para não esquecer. São Paulo, Círculo do livro, 1988. P. 122-124.)

É possível identificar, no texto escrito, algumas marcas de oralidade que foram registradas propositadamente pela autora. Tais marcas podem ser identificadas em:

Alternativas
Comentários
  •  

    Entendi dessa forma:

     

    A pergunta se refere a marcas de oralidade---- (fala)

     

    No texto ocorre uma conversa onde o filho faz uma pergunta para a mãe e logo ela responde trocando rapidamente as palavras, então a autora registra propositalmente esse momento :

     

     

    (FILHO) Você prefere prato fundo ou prato chato?

    (MÃE)      – Chat... raso, quer dizer.

     

    Gab- c

     

  •  

     

    ORALIDADE:

    nome feminino

    qualidade daquilo que é falado.

    exposição oral

    uso de processos orais

    LINGUÍSTICA modalidade de realização da língua, concretizada por falantes em presença e que se caracteriza por ser efémera e irrepetível,pela presença marcante de diálogos, por utilizar um vocabulário menos cuidado do que na escrita, etc...

    A banca foi bastante capciosa na questão. Temos 2 casos de oralidade na questão: ( Aquilo que é falado pela autora) 

    Frase chave da questão: oralidade que foram registradas propositadamente 

    “– Não fala tanto, come.”

    “– Chat... raso, quer dizer.” ( o filho já estava ficando chato com tantas perguntas, então ela fez um trocadilho propositalmente)

    GAB:C)

     

  • Marcas da oralidade é a transcrição do falar cotidiano das pessoas na escrita. Nesse caso, o autor quando escreve uma crônica, por exemplo, vai transcrever um diálogo não de forma culta, mas sim da maneira como as pessoas falam. As gírias fazem parte das marcas da oralidade.