A controvérsia centra-se em saber se laboratório
farmacêutico responde objetivamente pelos danos advindos da morte, por
insuficiência renal aguda, de pessoa que, por prescrição médica, ingeriu
medicamento (anti-inflamatório Vioxx) por aquele produzido, cuja bula
adverte, expressamente, como possíveis reações adversas, a ocorrência de
doenças graves renais. Debate-se, nesse contexto, se o remédio poderia ser
considerado defeituoso, na dicção legal. Sobre a responsabilidade do
fornecedor pelo chamado acidente de consumo, releva anotar, de início, que o
Código de Defesa do Consumidor acolheu a teoria do risco do empreendimento
(ou da atividade). Há que se bem delimitar, contudo, o fundamento desta
responsabilidade, que, é certo, não é irrestrita, integral, na medida em que
pressupõe requisitos próprios (especialmente, o defeito do produto como
causador do dano experimentado pelo consumidor) e comporta eximentes.
Assinala-se que o fornecedor não responde objetivamente pelo fato do produto
simplesmente porque desenvolve uma atividade perigosa ou produz um bem de
periculosidade inerente, mas sim, concretamente, caso venha a infringir o
dever jurídico de segurança (adentrando no campo da ilicitude), o que se dá
com a fabricação e a inserção no mercado de um produto defeituoso, de modo a
frustrar a legítima expectativa dos consumidores. Este dever jurídico, cuja
inobservância confere supedâneo à responsabilidade objetiva do fornecedor,
está expresso no art. 8º do Código de Defesa do Consumidor, ao dispor que os
produtos e serviços colocados no mercado não poderão acarretar riscos à
segurança ou à saúde dos consumidores — revelando-se defeituosos, portanto —,
exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e
fruição. Daí ressai que o sistema protetivo do consumidor, na esteira do
dispositivo legal acima destacado, não tem por propósito obstar, de modo
absoluto, a inserção no mercado de produto ou serviço que propicie riscos à
segurança e à saúde dos consumidores. Uma disposição com esse propósito
afigurar-se-ia de todo inócua, pois ignoraria uma realidade intrínseca a todo
e qualquer produto, qual seja, a de guardar, em si, um resquício, um grau
mínimo, de insegurança. Esta realidade, a propósito, apresenta-se de modo
muito contundente em relação aos medicamentos em geral (qualificados como
produtos de periculosidade inerente), pois todos, sem distinção, guardam
riscos à saúde dos consumidores, na medida em que causam efeitos colaterais,
de maior ou menor gravidade, indiscutivelmente. Por conseguinte, os riscos
normais e previsíveis, em decorrência da natureza ou da fruição do produto,
são absolutamente admissíveis e, por consectário lógico, não o tornam
defeituoso, impondo-se ao fornecedor, em qualquer hipótese, a obrigação de
conferir e explicitar as informações adequadas a seu respeito. Coerente com tais
diretrizes, o artigo 12 do CDC teceu os contornos da responsabilidade
objetiva do fornecedor pelo fato do produto. O defeito do produto apto a
ensejar a responsabilidade do fornecedor é o de concepção técnica
(compreendido como o erro no projeto, pela utilização de material inadequado
ou de componente orgânico ou inorgânico prejudicial à saúde ou à segurança do
consumidor), de fabricação (falha na produção) ou de informação (prestação de
informação insuficiente ou inadequada), que não se confunde com o produto de
periculosidade inerente. Neste, o produto não guarda em si qualquer defeito,
apresentando riscos normais, considerada a sua natureza ou a sua fruição, e
previsíveis, de conhecimento do consumidor, pela prestação de informação
suficiente e adequada quanto à sua periculosidade. O produto de
periculosidade inerente, que apresente tais propriedades, não enseja a
responsabilização de seu fornecedor, ainda que, porventura, venha a causar
danos aos consumidores, afinal, o sistema de responsabilidade pelo fato do
produto adotado pelo Código de Defesa do Consumidor é o do risco do
empreendimento, e não o do risco integral, como se fosse o fornecedor um
segurador universal de seus produtos. Portanto, em se tratando de produto de
periculosidade inerente, cujos riscos são normais à sua natureza (medicamento
com contraindicações) e previsíveis (na medida em que o consumidor é deles
expressamente advertido), eventual dano por ele causado não enseja a
responsabilização do fornecedor, pois, de produto defeituoso, não se cuida. (REsp 1.599.405-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por
unanimidade, julgado em 4/4/2017, DJe 17/4/2017) Informativo 603 do STJ.
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