SóProvas


ID
2707156
Banca
FUMARC
Órgão
COPASA
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                       O valor da fofoca

                                                                                       Walcyr Carrasco


      Dos aspectos negativos da fofoca, todos sabemos. Em Os miseráveis, Victor Hugo conta a história de Fantine, que se torna prostituta. Quem só viu o filme ou só assistiu ao musical não sabe muito bem como ela vai para as ruas. O livro conta: fofoca! Fantine é operária. Mas tem uma filha, sendo solteira, em época de moral rígida. Paga uma família para cuidar da menina, Cosette. Mas não sabe ler. Para enviar os pagamentos e pedir notícias, usa os trabalhos de um homem, que escreve e envia o dinheiro. As amigas desconfiam. Especulam. O homem não conta, mas uma consegue ver o endereço numa carta. E se dá ao trabalho de ir até o local onde vive Cosette. Volta com a história completa e conta às amigas. A história chega à direção da fábrica e Fantine é demitida por ser mãe solteira. Vende os dentes, os cabelos, torna-se prostituta, morre no hospital. Jean Valjean, que se esconde da polícia, era o dono da fábrica. Culpa-se pela insensibilidade, busca Cosette e a cria. Mas a questão é que a pobre Fantine teve de vender os dentes e se prostituir devido à avidez da fofoca. Hoje, em tempos menos rígidos, a intimidade de uma pessoa, confidenciada entre lágrimas, pode virar piada no próximo jantar de amigos. Ou seja: longe de mim defender a fofoca em si. Mas ela tem seu valor, psicológico e criativo.

      Simples. A fofoca é uma forma de criar.

      Sempre digo que as pessoas têm tanta necessidade de ficção na vida como do ar que respiram. Por isso precisam ler romances, assistir a filmes, novelas. Até mesmo conferir revistas sobre celebridades, uma forma de exercitar a imaginação, já que a vida real é muito mais árdua do que aparece nas reportagens. Criar também faz parte da natureza humana. Alguns se contentam botando posts no Instagram, inventando uma vida que não têm, com a taça de vinho emprestada de alguém, num hotel onde não se hospedaram. Outras preferem criar sobre a vida alheia. Aquela mulher que conta à outra sobre uma terceira, colega de escritório.

      – Sabe que ela está saindo com um rapaz 20 anos mais jovem? E sustenta!

      Pode ser verdade. Ou ela apenas viu a moça com o sobrinho, saindo do trabalho. O resto, inventou. Nem todo mundo é escritor, mas todo mundo pode criar ficção. Eu mesmo aprendi muito com a fofoca. Morava em um prédio onde vivia uma mulher já madura. De dia, recebia um, que a sustentava, dava carro, conforto material. De noite, recebia outro, que amava. Era a fofoca do prédio.

      Acontece que era feia. Garanto, feia de verdade. Os dois senhores, pavorosos. Aliás, o que ela amava, um velho bem mais feio que o outro, o rico. Eu, que tinha certo preconceito estético, aprendi que beleza não é o mais importante. Havia amor, dinheiro e paixão naquela história de pessoas maduras. A fofoca me fez entender mais da vida. Em outra época, soube que o filho da vizinha não era filho, mas neto. Filho da moça que considerava irmã, mãe solteira. Toda a vila onde morava sabia, menos o menino. Isso me fez entender mais sobre os pais, que são capazes de acolher, dar solidariedade num momento difícil. Suponho que o garoto deve ter levado um susto quando soube. Mas é outra história.

      Minha mãe, quando eu era criança, tinha um bazar. Pequeno, típico de interior, em Marília. Era o centro de informações sobre a vida alheia do bairro. Todas as mulheres passavam, comentavam. Eu tentava ouvir. Mamãe me punha para fora quando a história era mais pesada. Isso me ajudou a desenvolver um certo talento. Quando fiz faculdade de jornalismo, e mais tarde trabalhei no ramo, era ótimo com as perguntas ao entrevistar. Destemido. Fiz sucesso com colunas, jornalismo comportamental. Isso me ajuda até hoje. Quando vou construir uma história, falo com pessoas, converso. Extraio segredos. Conto por meio dos personagens. Vejam que ligação bonita saber da vida alheia tem com o ato de criar.

      O que é uma grande biografia, a não ser a vida de alguém? Uma fofoca autenticada, impressa e aplaudida pela crítica?

      Há um porém: a fofoca, mesmo real, passa pelo crivo de quem conta. Pelo meu, pelo seu, pelo nosso olhar. É a velha história – alguém me oferece meio copo de suco de laranja e posso dizer.

      – Adorei, ganhei meio copo de suco refrescante.

      – Odiei, imagine, me dar só meio copo? Era resto! 

      Quando ouvir uma fofoca, abra as orelhas. O que alguém diz sobre o outro revela mais sobre quem fala do que sobre o alvo em questão. Uma fofoca, como todo ato de criação, tira a máscara do criador. 

Disponível em: https://epoca.globo.com/sociedade/walcyr-carrasco/noticia/2017/10/o-valor-da-fofoca.html. Acesso em: 08 maio 2018.

Ao iniciar o texto relatando a história de Fantine, o propósito do locutor do texto é

Alternativas
Comentários
  • GABARITO LETRA B

     

    Contudo, pra mim há dois gabaritos.

     

     a) comover os interlocutores com a narrativa. (não tem esse condão)

     b) contextualizar o assunto que será desenvolvido nas linhas seguintes.  (Realmente ele faz uma contextualização e explana nas linhas seguintes)

     c) demonstrar como a fofoca se modificou ao longo dos tempos. (em nenhum momento abrange sobre isso)

     d) mostrar como a fofoca pode ser prejudicial às pessoas. (essa alternativa poderia ser considerada correta, visto que ele na questão se restringe à história de Fantine, logo, essa história realmente mostra como a fofoca pode ser prejudicial as pessoas, não?)

  • Pra mim também existem 2 gabaritos. Letra B e D. 

  • Tb concordo com a letra d, embora seja gab "b".

  • Porém ele afirma que da fofoca ele extraiu coisas boas, como por exemplo quando fala do bazar de suas mãe, aquele lugar de informações o ajudou a desenvolver alguns talentos.

     

  • Letra B.

    Pelo início da questão onde se diz "Ao iniciar o texto relatando a história de Fantine..."

    Logo nas primeiras linhas temos "...Victor Hugo conta a história de Fantine, que se torna prostituta. Quem só viu o filme ou só assistiu..."

  • A letra D está errada, pois ao fim do texto ele fala dos benefícios que a fofoca lhe proporcionou enquanto autor, portanto não é de todo prejudicial às pessoas.

  • A questão pede o proposito do texto em sua parte inicial, em seu inicio o texto critica a fofoca, sendo a mesma prejudicial para a vida da Fantine.

    O gabarito poderia ter sido a alternativa "D"

  • Gabarito letra B

     

    Devemos ficar atentos ao que o comando da questão solicita para não cair em casca de banana. O examinador colocou a letra D, justamente para confundir os candidatos.

     

    A questão traz: Ao iniciar o texto relatando a história de Fantine, o propósito do locutor do texto é.  (contextualizar o assunto que será desenvolvido nas linhas seguintes. )

     

    Sendo assim, o propósito inicial é introduzir o tema fofoca para depois sim, falar o quão ela pode ser prejudicial. Para confirmar é só pensar em uma redação, primeiro você deve fazer uma introdução do assunto, apresentar o que você vai falar, para somente depois desenvolver o tema. Foi exatamente o que o autor fez. 

  • mais uma vez essa fumarc é ridicula....resposta é D 

  • @Nuza, o comando da questão pede sobre a história de Fantine e não sobre o restante do texto. Dessa forma, há dois gabaritos B e D.

    B - introdução do texto.

    D - o que aconteceu com Fantine (foi prejudicada devido à fofoca).

  • GAB: B

  • Na primeira linha se diz:

    DOS ASPECTOS NEGATIVOS DA FOFOCA

    Depois é narrada a história de uma pessoa que se deu muito mal. É um exemplo de como a fofoca pode prejudicar as pessoas.

    Há 2 gabaritos.

  • Comentário da Danielle está correto. Vejam.

  • Só digo uma coisa, preparem-se para fazer os recursos nas provas da PCMG... É cada gabarito q só por Deus

  • O propósito do autor é contextualizar o assunto mostrando como a fofoca pode ser prejudicial para algumas pessoas.

    O gabarito duplo é claríssimo.

    "Dos aspectos negativos da fofoca, todos sabemos. Em Os miseráveis..."

    "Mas a questão é que a pobre Fantine teve de vender os dentes e se prostituir devido à avidez da fofoca. "

    "Ou seja: longe de mim defender a fofoca em si."

    Não há justificativa pra essa questão. Nem tenta. Gabarito duplo. Questão absurda.