Quincas Borba mal podia encobrir a satisfação do triunfo.
Tinha uma asa de frango no prato, e trincava-a com
filosófica serenidade. Eu fiz-lhe ainda algumas objeções,
mas tão frouxas, que ele não gastou muito tempo em
destruí-las.
— Para entender bem o meu sistema, concluiu ele,
importa não esquecer nunca o princípio universal,
repartido e resumido em cada homem. Olha: a
guerra, que parece uma calamidade, é uma operação
conveniente, como se disséssemos o estalar dos dedos
de Humanitas; a fome (e ele chupava filosoficamente a
asa do frango), a fome é uma prova a que Humanitas
submete a própria víscera. Mas eu não quero outro
documento da sublimidade do meu sistema, senão este
mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por
um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu
esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe,
um navio construído de madeira cortada no mato por
dez ou doze homens, levado por velas, que oito ou
dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras
partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu
almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão
de esforços e lutas, executadas com o único fim de dar
mate ao meu apetite.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1975.
A filosofia de Quincas Borba — a Humanitas — contém
princípios que, conforme a explanação do personagem,
consideram a cooperação entre as pessoas uma forma de