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ID
2730220
Banca
IBFC
Órgão
PM-SE
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto I

A Rua
(Fragmento)

    EU AMO A RUA. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os desprazeres[...], mas porque nos une, nivela e agremia o amor da rua.
    (...) a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! (...) a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua (...).
    A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopeia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. (...) A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, e quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações, é (...) tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguear com o céu e com os anjos...
    A rua faz as celebridades e as revoltas, a rua criou um tipo universal, tipo que vive em cada aspecto urbano, em cada detalhe, em cada praça, tipo diabólico que tem, dos gnomos e dos silfos das florestas, tipo proteiforme, feito de risos e de lágrimas, de patifarias e de crimes irresponsáveis, de abandono e de inédita filosofia, tipo esquisito e ambíguo com saltos de felino e risos de navalha, o prodígio de uma criança mais sabida e cética que os velhos de setenta invernos, mas cuja ingenuidade é perpétua, voz que dá o apelido fatal aos potentados e nunca teve preocupações, criatura que pede como se fosse natural pedir, aclama sem interesse, e pode rir, francamente, depois de ter conhecido todos os males da cidade, poeira d’oiro que se faz lama e torna a ser poeira – a rua criou o garoto!

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 28–31.

Vocabulário
Agremia: do verbo agremiar; juntar num mesmo grupo.
Canteiros: pedreiros responsáveis pelas construções com pedra.
Frontarias: fachada principal; frente.
Melopeia: melodia; canção melodiosa.
Silfos: seres mágicos do ar presente em mitologias europeias.
Proteiforme: que muda de forma frequentemente.
Potentados: majestades; maiorais; pessoas de grande poder.

Identificando-se o radical de “desgraçados”, nota-se que tal vocábulo fora formado pelo processo de derivação:

Alternativas
Comentários
  • Resposta do Professor Fernando Pestana sobre a questão:

     

    Sobre a palavra DESGRAÇADO, há duas maneiras de analisá-la.

     

    Essas duas possíveis análises se baseiam em duas visões diferentes de análise que os estudiosos dão ao processo de formação dessa palavra e de palavras semelhantes.

     

    Vejamos:

     

    GRAÇA > DESGRAÇA > DESGRAÇAR > DESGRAÇADO

    1) Uma das análises (Evanildo Bechara aborda assim) leva em conta o último processo de formação ocorrido com a palavra. Como entrou o sufixo por último na formação da palavra final, então se diz que ela sofreu derivação sufixal.

     

    2) A outra análise (Ulisses Infante ensina assim) leva em conta quais foram os processos que levaram à formação da palavra final, ou seja, como houve o acréscimo de prefixo e de sufixo durante o processo de formação da palavra final, diz-se que ela sofreu derivação prefixal e sufixal.

     

    Logo, a palavra DESGRAÇADO pode ter dupla classificação morfológica, consoante seu processo de formação: *derivação sufixal* ou *derivação prefixal e sufixal*.

     

    Detalhe: para haver derivação PARASSINTÉTICA, é preciso entender que esse processo de formação se dá pelo acréscimo simultâneo de prefixo e sufixo, de modo que, com a retirada do prefixo ou do sufixo, a palavra não existirá na língua portuguesa. Exemplo: subterrâneo (subterra?; terrâneo?).

     

    – Ah, Pestana, mas calmaê! Tudo bem que existe DESGRAÇA, mas não existe GRAÇADO. Isso já não seria suficiente para constituir derivação parassintética?

     

    Resposta seca: NÃO!

     

    Repito: para saber se uma palavra sofreu derivação parassintética, retire o prefixo e depois retire o sufixo; se o que sobrar não existir na língua portuguesa, é porque a palavra realmente sofreu derivação parassintética (veja mais um exemplo: emagrecer > emagro?; magrecer?).

     

    Enfim, a banca IBFC fez m&$#@!

     

    Ela precisa anular a questão por haver dupla possibilidade de análise.

     

    Se não anular, prejudicará a muitos.

     

    Fonte: Grupo de estudos do facebook "Português do Pestana".

  • Realmente ela precisa anular essa questão, pois, até eu fiquei prejudicado com ela.

  • Eu marquei a letra A, só que após os recursos mudaram o gabarito para C!!! Pelo entendimento da questão, deveria ser anulada e não mudar o gabarito!

  • Pelo menos essa ela anulou.