SóProvas


ID
2759938
Banca
FCC
Órgão
Prefeitura de São Luís - MA
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Atenção: A questão refere-se ao texto que segue.


    A vida privada não é uma realidade natural, dada desde a origem dos tempos: é uma realidade histórica. A história da vida privada é, em primeiro lugar, a história de sua definição: como evoluiu sua distinção na sociedade francesa do século XX? Como o domínio da vida privada variou em seu conteúdo e abrangência?

    A questão é tanto mais importante na medida em que não é certo que seu contorno tenha o mesmo sentido em todos os meios sociais. Para a burguesia da Belle Époque1, não há nenhuma dúvida: o “muro da vida privada” separa claramente os domínios. Por trás desse muro protetor, a vida privada e a família coincidem com bastante exatidão. Esse domínio abrange as fortunas, a saúde, os costumes, a religião: se os pais que querem casar os filhos consultam o notário ou o pároco para “tomar informações” sobre a família de um eventual pretendente, é porque a família oculta cuidadosamente ao público o tio fracassado, o irmão de costumes dissolutos e o montante das rendas. E Jaurès2, respondendo a um deputado socialista que lhe censurava a comunhão solene da filha: “Meu caro colega, você sem dúvida faz o que quer de sua mulher, eu não”, marcava com grande precisão a fronteira entre sua existência de político e sua vida privada.

    Essa separação era organizada por uma densa teia de prescrições. A baronesa Staffe3, por exemplo, cita: “Quanto menos relações mantemos com a vizinhança, mais merecemos a estima e consideração dos que nos cercam”, “não devemos falar de assuntos íntimos com os parentes ou amigos que viajam conosco na presença de desconhecidos”. O apartamento ou a casa burguesa, aliás, se caracterizam por uma nítida diferença entre as salas para as visitas e os demais aposentos. O lugar da família propriamente dita não é o salão: as crianças não entram no aposento quando há visitas e, como explica a baronesa, as fotos de família ficariam deslocadas nesse recinto. Ademais, as salas de visitas não são abertas a todos. Se toda dama da boa sociedade tem seu “dia” de receber − em 1907, são 178 em Nevers4 −, a visita à esposa de um figurão supõe uma apresentação prévia. As salas de recepção estabelecem, portanto, um espaço de transição para a vida privada propriamente dita.


(Adaptado de: PROST, Antoine. Fronteiras e espaços do privado. In: PROST, Antoine; VINCENT, Gérard (orgs.). História da vida privada 5: Da Primeira Guerra a nossos dias. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 14 e 15.)

Obs.: 1 Período de cultura cosmopolita na história da Europa que vai de fins do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

2 Jean Léon Jaurès (1859-1914): político socialista francês.

3 Pseudônimo de Blanche-Augustine-Angèle Soyer (1843-1911), autora francesa, célebre em seu tempo pela obra Uso do mundo, sobre como saber viver na sociedade moderna.

4 Região da França, ao sul-sudeste de Paris.

No processo argumentativo,

Alternativas
Comentários
  •  a) a consulta dos pais é mencionada porque constitui a causa de as famílias ocultarem cuidadosamente ao público fatos que poderiam ser considerados socialmente nocivos. (2o parágrafo) - ERRADO, constitui a consequência:

    Se os pais que querem casar os filhos consultam o notário ou o pároco para “tomar informações” sobre a família de um eventual pretendente, é porque a família oculta cuidadosamente ao público o tio fracassado, o irmão de costumes dissolutos e o montante das rendas. 

     

     b) a resposta de Jaurès é citada para, na composição do painel da vida francesa, destacar que, já em fins do século XIX e começo do XX, havia críticas a políticos que usavam a vida particular para alavancar suas pretensões de homem público. (2o parágrafo) - ERRADO:

    E Jaurès, respondendo a um deputado socialista que lhe censurava a comunhão solene da filha: “Meu caro colega, você sem dúvida faz o que quer de sua mulher, eu não”, marcava com grande precisão a fronteira entre sua existência de político e sua vida privada.

     

     c) a presença do advérbio aliás sinaliza um oportuno acréscimo ao já dito acerca dos domínios da vida privada, agora demarcados pelo próprio espaço físico da burguesia francesa do século XX. (3o parágrafo) - CERTA:

    O apartamento ou a casa burguesa, aliás, se caracterizam por uma nítida diferença entre as salas para as visitas e os demais aposentos. ​

     

     d) a menção a família propriamente dita delimita, no contexto do objeto focalizado, a referência a “aqueles que descendem de um casal”. (3o parágrafo) - ERRADO, pois o texto menciona apenas "crianças" como explicação. 

    O lugar da família propriamente dita não é o salão: as crianças não entram no aposento quando há visitas e, como explica a baronesa, as fotos de família ficariam deslocadas nesse recinto.

     

     e) a alusão a notário ou pároco faz parte da caracterização da sociedade da Belle Époque, com o intuito de demonstrar que a eles cabia, respectivamente, a responsabilidade pelas fortunas e pela vida religiosa das famílias. (2o parágrafo) - ERRADO, pois notário significa "Tabelião, escrivão público, que recebe e redige atos, contratos, escrituras etc., para dar-lhes caráter de autenticidade". Então, apesar de ter conhecimento sobre os registros, ele não é responsável pela fortuna da família. (Nessa tive dúvidas, quem puder esclarecer melhor, agradeço) 

    esse domínio abrange as fortunas, a saúde, os costumes, a religião: se os pais que querem casar os filhos consultam o notário ou o pároco para “tomar informações” sobre a família de um eventual pretendente

  • Complementando a resposta da Cíntia Cruz (06 de Agosto de 2018, às 14h16).

    .

    a)

    Concordo com a Cíntia.

    .

    b)

    Discordo da passagem informada pela Cíntia, apesar de achar que ela também resolve a questão por outros meios.

    É quase impossível cravarmos uma resposta de interpretação de texto da FCC, de uma prova difícil, com 100% de precisão.

    .

    A meu ver, não é a resposta de Jaurès que demarca a crítica citada no item, mas sim a crítica que a ele foi feita em passagem prévia à sua resposta: “E Jaurès, respondendo a um deputado socialista que lhe censurava a comunhão solene da filha...”.

    .

    Ou seja, havia um político francês que criticava Jaurès por expor sua vida privada em excesso para poder se valer disso na vida política.

    .

    A assertiva erra ao falar que foi a resposta de Jaurès que destacava as críticas a políticos que usavam a vida particular para alavancar suas pretensões de homem público. O que ocorreu, na verdade, foram críticas a Jaurès, que destacaram as críticas a políticos que usavam a vida particular para alavancar suas pretensões de homem público, pois Jaurès fez uma comunhão solene da filha (que se celebra com pompa e suntuosidade; acompanhado de cerimônias oficiais e extraordinárias; algo com grande publicidade), ou seja, expôs sua vida privada de modo incomum para se valer disso na política.

    .

    c)

    Não há muito o que esclarecer, pois a demarcação entre vida privada e pública vinha sendo feita e com o uso do advérbio ela foi mais uma vez exemplificada. Logo, é o gabarito.

    .

    d)

    Discordo da Cíntia.

    A meu ver, a assertiva erra ao falar que família propriamente dita, no contexto, delimita a referência aos que descendem de um casal.

    .

    Observem o trecho:

    .

    “O lugar da família propriamente dita não é o salão: as crianças não entram no aposento quando há visitas e, como explica a baronesa, as fotos de família ficariam deslocadas nesse recinto”.

    .

    Quando o texto se refere às crianças, havemos de concordar com a assertiva, pois daí temos apenas a referência à família que descende de um casal.

    .

    Porém, quando o texto fala que as fotos de família ficariam deslocadas, aí amplia-se o conceito de família para além dos descendentes de um casal. Passamos a abranger outros parentes dentro do conceito de família, daí o erro da assertiva.

    .

    e)

    Concordo com a Cíntia.

  • Credo, acho que tive de ler umas 5x as alternativas!

  • É, hoje não vai rolar ler esse texto.... cruz credo!