E se o Império Romano não tivesse acabado?
Em vez da França, a província de Gália. Em vez da Inglaterra, a Bretanha. Em vez da Bulgária, a Trácia. Quem já leu as
aventuras de Asterix conhece bem esses nomes esquisitos de regiões dominadas pelos exércitos de Roma (as histórias do
herói gaulês se passam por volta de 50 a.C., época do apogeu do Império Romano). Pois assim seria o Velho Mundo se o
império com sede em Roma não tivesse se desintegrado: uma única nação contornando o Mediterrâneo ao longo das
costas europeia, asiática e africana. Mas a mudança dos nomes das localidades europeias é a menos importante das
diferenças. O mundo seria outro. O capitalismo talvez ainda não tivesse surgido e, sem ele, a conquista e a colonização
da América não aconteceriam. No final das contas, o Brasil poderia ser até hoje uma terra de índios.
Mas vamos aos poucos. Primeiro é bom lembrar o que houve com o império de Roma. O poder imperial começou a
se esfarelar no século 3, quando ocorreram lutas internas entre generais e vivia-se uma verdadeira anarquia militar. Para
se ter uma ideia, em 50 anos houve pelo menos 20 imperadores, que foram destituídos um após o outro (alguns inclusive
reinaram simultaneamente, em conflito).
Não era para menos. A economia romana era baseada no trabalho escravo e o suprimento de escravos dependia da
conquista de novos territórios. O problema foi que o reino tornou-se grande demais para ser administrado, as conquistas
minguaram, os escravos escassearam e a vida boa acabou. A arrecadação de impostos diminuiu e a população pobre
começou a reclamar. Para ajudar, ainda havia o cristianismo (que era contra a escravidão e a riqueza da elite) e uma peste
que varreu a região. Nessa barafunda de problemas, tentou-se de tudo, até a divisão administrativa do império em dois,
o do Ocidente (com sede em Roma) e o do Oriente (o Império Bizantino), com sede em Constantinopla (onde antes ficava
Bizâncio).
Para este último, a solução foi eficaz. Mas o Império Romano do Ocidente, assolado pela crise econômica, perdeu
seu poder militar e foi aos poucos invadido por guerreiros germânicos. Em 395, a divisão administrativa transformou-se
em divisão política e o império rachou em dois. Deixada à própria sorte, a metade ocidental durou pouco. A queda
definitiva ocorreu em 476, quando a tribo do rei Odoacro derrubou o último chefe de Roma, Rômulo Augústulo. No
Oriente, no entanto, o Império Romano continuou existindo por quase mil anos, até 1453, quando os turcos tomaram
Constantinopla.
Se o Império Romano resistisse, possivelmente ele seria parecido com sua metade oriental, diz Pedro Paulo Funari,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em primeiro lugar, o imperador seria também o papa, como
em Constantinopla, onde o imperador governava tudo o que interessava: o Exército e a Igreja. Ou isso ou haveria uma
divisão de poderes com a Igreja. Essa mistureba de papéis provavelmente criaria situações curiosas, como bispos
governando uma província como Portugal, ou melhor, a Lusitânia, e párocos dirigindo cidades.
A influência religiosa seria ainda maior do que foi na Idade Média ou atualmente. Nas províncias, o divórcio e o aborto
provavelmente seriam proibidos e não seria nenhum absurdo que alguns costumes alimentares cristãos, como comer
peixe às sextas-feiras, tivessem a força de lei, com penas severas (o açoite, o exílio e a prisão domiciliar eram comuns)
para quem degustasse uma costelinha no dia sagrado.
As línguas derivadas do latim, como o português, o espanhol, o francês e o italiano, provavelmente seriam muito
diferentes. O português, por exemplo, não teria sofrido a influência das línguas árabe e germânica, já que, nesse nosso
mundo hipotético, possivelmente não ocorreriam as invasões dos germânicos e muçulmanos na península Ibérica.
Palavras de origem árabe e tão portuguesas, como azeite, não fariam parte do nosso vocabulário.
E o capitalismo? “Provavelmente demoraria mais para acontecer”, afirma Funari. “Impérios em geral dificultam o
desenvolvimento do capitalismo, que depende do individualismo para se desenvolver. Um Estado muito forte e
controlador é um obstáculo”, diz o historiador. Na Europa, o feudalismo e a fragmentação do poder favoreceram o
surgimento do capitalismo. No Japão, onde houve a fragmentação do Estado e a implantação de um sistema de
shogunato, isso também aconteceu, ao contrário da China, um império que durou até 1911. Retardado o capitalismo, a
colonização da América também seria outra. E os astecas, incas, tupinambás e guaranis talvez tivessem se desenvolvido
mais e oferecido maior resistência aos europeus. Indo mais longe, um império inca talvez pudesse existir até hoje. Mas
essa é uma outra hipótese.
(Lia Hama e Adriano Sambugaro – http://super.abril.com.br/cultura/se-imperio-romano-nao-tivesse-acabado-444330.shtml?utm_source=
redesabril_super&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_jovem.)
Releia o trecho: “[...] assim seria o Velho Mundo se o império com sede em Roma não tivesse se desintegrado: uma
única nação contornando o Mediterrâneo ao longo das costas europeia, asiática e africana.” (1º§) A expressão
destacada é uma referência figurativa ao continente europeu. Que figura é essa que está no cerne de tal expressão?