SóProvas


ID
2840842
Banca
CONSULPAM
Órgão
Câmara de Juiz de Fora - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

     Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática. E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática. Mártir da gramática, fique este documento da sua vida como pedra angular para uma futura e bem merecida canonização. 

    Havia em Itaoca um pobre moço que definhava de tédio no fundo de um cartório. 

    Escrevente. Vinte e três anos. Magro. Ar um tanto palerma. Ledor de versos lacrimogêneos e pai duns acrósticos dados à luz no “Itaoquense”, com bastante sucesso.

    Vivia em paz com as suas certidões quando o frechou venenosa seta de Cupido. Objeto amado: a filha mais moça do coronel Triburtino, o qual tinha duas, essa Laurinha, do escrevente, então nos dezessete, e a do Carmo, encalhe da família, vesga, madurota, histérica, manca da perna esquerda e um tanto aluada.

    Triburtino não era homem de brincadeira. Esguelara um vereador oposicionista em plena sessão da câmara e desd’aí se transformou no tutu da terra. Toda gente lhe tinha um vago medo; mas o amor, que é mais forte que a morte, não receia sobrecenhos enfarruscados nem tufos de cabelos no nariz.

    Ousou o escrevente namorar-lhe a filha, apesar da distância hierárquica que os separava. Namoro à moda velha, já se vê, pois que nesse tempo não existia a gostosura dos cinemas. Encontros na igreja, à missa, troca de olhares, diálogos de flores – o que havia de inocente e puro. Depois, roupa nova, ponta de lenço de seda a entremostrar-se no bolsinho de cima e medição de passos na rua d’Ela, nos dias de folga. Depois, a serenata fatal à esquina, com o

    Acorda, donzela...

    Sapecado a medo num velho pinho de empréstimo. Depois, bilhetinho perfumado.

    Aqui se estrepou...

    Escrevera nesse bilhetinho, entretanto, apenas quatro palavras, afora pontos exclamativos e reticências:

Anjo adorado!

Amo-lhe! 

    Para abrir o jogo bastava esse movimento de peão. Ora, aconteceu que o pai do anjo apanhou o bilhetinho celestial e, depois de três dias de sobrecenho carregado, mandou chamá-lo à sua presença, com disfarce de pretexto – para umas certidõesinhas, explicou.

    Apesar disso, o moço veio um tanto ressabiado, com a pulga atrás da orelha. Não lhe erravam os pressentimentos. Mas o pilhou portas aquém, o coronel trancou o escritório, fechou a carranca e disse: 

    - A família Triburtino de Mendonça é a mais honrada desta terra, e eu, seu chefe natural, não permitirei nunca – nunca, ouviu? – que contra ela se cometa o menor deslize.

    Parou. Abriu uma gaveta. Tirou de dentro o bilhetinho cor-de-rosa, desdobrou-o.

    - É sua esta peça de flagrante delito?

    O escrevente, a tremer, balbuciou medrosa confirmação.

    - Muito bem! Continuou o coronel em tom mais sereno. Ama, então, minha filha e tem a audácia de o declarar... Pois agora…

    O escrevente, por instinto, ergueu o braço para defender a cabeça e relanceou os olhos para a rua, sondando uma retirada estratégica.

    - ... é casar! Concluiu de improviso o vingativo pai.

    O escrevente ressuscitou. Abriu os olhos e a boca, num pasmo. Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante:

    - Beijo-lhe as mãos, coronel! Nunca imaginei tanta generosidade em peito humano! Agora vejo com que injustiça o julgam aí fora!…

    Velhacamente o velho cortou-lhe o fio das expansões.

    - Nada de frases, moço, vamos ao que serve: declaro-o solenemente noivo de minha filha!

    E voltando-se para dentro, gritou:

    - Do Carmo! Venha abraçar o teu noivo!

    O escrevente piscou seis vezes e, enchendo-se de coragem, corrigiu o erro.

    - Laurinha, quer o coronel dizer…

    O velho fechou de novo a carranca.

    - Sei onde trago o nariz, moço. Vassuncê mandou este bilhete à Laurinha dizendo que ama- “lhe”. Se amasse a ela deveria dizer amo-“te”. Dizendo “amo-lhe” declara que ama a uma terceira pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo. Salvo se declara amor à minha mulher (…).


(LOBATO, Monteiro. O Colocador de Pronomes. In: PINTO, Edith Pimentel (org.). O Português do Brasil: textos críticos e teóricos II - 1920-1945 – Fontes para a teoria e a história. São Paulo: Edusp, [1924] 1981, p. 51-79.) 

Assinale a opção que corretamente identifica o fenômeno de linguagem expresso na expressão destacada em: “Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante...”.

Alternativas
Comentários
  • pleonasmo

  • Só temos lágrimas nos olhos, logo, pleonasmo.

  • a) Solecismo é caracterizado por ser um desvio gramatical que ocorre no nível sintático da língua.

    Exemplo: Vou no banheiro. (o correto seria: Vou ao banheiro.)


    b) Pleonasmo é usado para intensificar o significado de um termo através da repetição da própria palavra ou da ideia contida nela.

    Exemplo: com lagrimas nos olhos.


    c) Ambiguidade aquilo que pode ter mais do que um sentido ou significado.

    Exemplo: Pedro disse ao amigo que havia chegado. (Quem chegou? Pedro ou o amigo)


    d) Contradição lógica - existe esse vício de linguagem? rs. Creio que seja uma contradição ao que tenha dito na frase (pelo nome) rs.



  • Pleonasmo


    Trata da repetição de significação de vocábulo ou de termos oracionais.


    – “Iam vinte anos desde aquele dia / Quando com os olhos eu quis ver de perto / Quanto

    em visão com os da saudade via.” (Alberto de Oliveira)

    – Ao pobre nada lhe peço, ao rico nada lhe devo.

    – Médica, ela nunca o será.

    – Chorou um choro de profundo lamento.


    Obs.: O pleonasmo vicioso diz respeito à repetição inútil e desnecessária de algum termo ou

    ideia na frase. Nesse caso não é uma figura de linguagem, e sim um vício de linguagem.


    Fonte: A gramática para concursos públicos (Fernando Pestana)

  • Solecismo


    É o desvio sintático relativo à colocação ou emprego dos pronomes, à regência e à concordância. Vejamos, respectivamente, três exemplos:


    Forma inculta: Nunca chamar-te-ia de meu irmão, porque você ama ele mais do que a mim, por isso, para mim achar que você é merecedor de meu amor, precisará provar.

    Forma culta: Nunca te chamaria de meu irmão, porque você o ama mais do que a mim, por isso, para eu achar que você é merecedor de meu amor, precisará provar.


    Forma inculta: Não lhe conheceram, pois eram muito novos.

    Forma culta: Não o conheceram, pois eram muito novos.


    Forma inculta: Precisariam haver mais pessoas no mundo que se dispusessem a ajudar

    outras.

    Forma culta: Precisaria haver mais pessoas no mundo que se dispusessem a ajudar

    outras.


    Fonte: A gramática para concursos públicos (Fernando Pestana)

  • “Depois, tornando a si, comoveu-se e, com lágrimas nos olhos disse, gaguejante...”.

    Pleonasmo: repetição desnecessária.