SóProvas


ID
2856682
Banca
IDECAN
Órgão
IPC - ES
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                      TEXTO I


                                  A Última Crônica


      A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

      Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

      Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês.

      O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

      São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra você…” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura – ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

      Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.”

Fernando Sabino Disponível em http://contobrasileiro.com.br/a-ultima-cronica-fernando-sabino/

“Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força...”. No período em destaque, o autor utilizou a figura de linguagem conhecida como:

Alternativas
Comentários
  • Dentro do contexto o vocábulo "como" no início da oração dá a ideia de comparação.

    Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força...”.

    GAB: D

  • Repousar o queixo não seria Eufemismo?

  • Colega Audrei, acredito que não seja, pois conforme o que pesquisei:


    (alternativa C)

    Eufemismo é uma figura de linguagem que emprega termos mais agradáveis para suavizar uma expressão.


    Não faz sentido, neste contexto, pensar a palavra repousar como um termo que deve suavizar algo. Ao ler o trecho conseguimos entender perfeitamente o gesto da menina e não notamos uma fala grosseira ou "pesada" que justificasse tal figura de linguagem.


    Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Eufemismo

  • GABARITO LETRA D . Sobre as outras :


    Metáfora: metáfora ocorre quando é utilizada uma substituição de termos que possuem significados diferentes, atribuindo a eles o mesmo sentido. Na frase abaixo o autor dá o sentido de “pensamento” ao termo “rio subterrâneo”, que nada têm em comum, mas passam a ter na oração. Ex: “Meu pensamento é um rio subterrâneo.”


    Metonímia: Metonímia é a figura de linguagem que possibilita troca de um termo por outro de mesma similaridade.É a substituição de palavras que guardam uma relação de sentido entre si. EX: A viagem à Lua significou um grande avanço para o “homem. (Neste caso a palavra homem foi empregada no lugar de “humanidade”. A parte foi citada para substituir ou representar o todo.)


    Eufemismo: Troca de um termo por outro mais “leve”, que acaba passando uma conotação mais agradável a um sentido. Um bom exemplo de eufemismo é quando trocamos o termo “morreu” por “foi para o céu“.


    FONTE: https://www.figuradelinguagem.com/

  • Metáfora -> Comparação implícita (não vem escrito a palavra "como" ou semelhantes)



    Metonímia -> uma palavra que substitui outra



    Eufemismo -> usar um termo mais agradável p suavizar/amenizar algo


    Comparação -> Comparação explícita (vem escrito a palavra "como" ou semelhantes)

  • Texto lindo!

  • Gabarito D. Comparação.


    Comparação: Os elementos aparecem no enunciado, ligados por um conectivo do tipo.

    Como, que nem, feito, assim como, tão... quanto, tal qual, ou por verbos como, parecer, assemelhar-se entre outros.

  • Lindo mesmo. :)

  • Duas figuras de linguagem presentes: Comparação e Hipérbato (inversão sintática)

  • Gabarito letra D) Comparação ou Símile.

  • Poxa que crônica linda, excelente!

  • Texto emocionante :/

  • Emocionante.

  • FIQUEI PENSANDO QUE MARMORE SERIA ESSE, POIS CASO SE REFERISSE À MESA PODERIA SE ENQUADRAR EM METONÍMIA.

  • Gabarito D

    quer saber quando o "como" exerce função de comparação ?

    Só trocar por "igual"

    Hum, vejamos então!

    Como a um gesto ensaiado

    Igual a um gesto ensaiado

  • apesar de tanta simplicidade , ou seja, tanta humildade que eles viviam , não perderam a essência do amor em família.

  • Há também uma metáfora. Repousar um queixo??? isso é uma metáfora.. Essa banca é lamentável.

  • Essa banca deveria deixar grifado o trecho que ela quer que a gente acerte. Acertei, mas fiquei na dúvida se há uma metáfora

  • comparação = o termo comparativo fica explicito

    metáfora = o termo comparativo fica implicito

    por isso temos ai uma comparação, onde o termo "como" faz papel de um termo comparativo

  • ... menininha repousa o queixo... pensei em eufemismo. errei!

  • O uso do conector "como" caracteriza uma símile, pois se trata de uma comparação com o aparecimento do conector. Usar apenas o nome COMPARAÇÃO, a meu ver, não foi muito feliz.