SóProvas


ID
2874127
Banca
FUNDEP (Gestão de Concursos)
Órgão
UPA-CS
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Dona Ana

Até a última batida do coração do marido, dona Ana esteve ao lado.

Não foi fácil. Seu Antônio era educado e agradável no trato social, mas intempestivo, intolerante e voluntarioso com a esposa e os dois filhos. Dava a impressão de que as interações com pessoas pouco íntimas esgotavam na rua seu estoque de tolerância.

Aos sete anos, vendia de casa em casa os pastéis que a mãe viúva fritava, enquanto os cinco filhos ainda dormiam. Aos quinze, veio sozinho para São Paulo com a obrigação de ganhar o sustento da família. Dormiu três dias na rua, antes de conseguir emprego num depósito de ferro velho.

Quando ficou doente, aos sessenta e oito anos, tinha mais de duzentos empregados, duas fazendas e uma imobiliária para administrar os imóveis de sua propriedade.

Dona Ana tinha três irmãs e um pai militar que proibia as filhas de chegar depois de escurecer e que só permitia que ela saísse com o noivo aos domingos, desde que acompanhada pela irmã caçula, rotina mantida até a semana anterior ao casamento.

Casada, aceitou sem rebeldia o autoritarismo do consorte. Deu à luz dois filhos criados com o rigor do pai e a dedicação abnegada da mãe, num ambiente doméstico que beirava a esquizofrenia: alegre e descontraído na presença dela, sisudo e silencioso à chegada do pai.

Quando nasceu o casal de netos, a avó os cobriu de carinho. Passava os dias de semana com eles para que as noras pudessem trabalhar; nos fins de semana em que ficava sem vê-los, morria de saudades.

A doença do patriarca mudou a rotina. Com o marido em casa e os filhos ocupados na condução dos negócios do pai, coube a ela cuidar e atender às solicitações do doente, que exigia sua presença dia e noite e não aceitava um copo d´água das mãos de outra pessoa.

Nas fases finais, oito quilos mais magra, abatida e sonolenta, parecia mais debilitada do que o marido.

Viúva, fez questão de permanecer no mesmo apartamento, apesar da insistência dos filhos e das noras para que fosse morar com eles.

Os familiares estranharam quando pediu que não deixassem mais os netos com ela. Acharam que a perda do marido havia causado um trauma que lhe roubara a felicidade e a disposição para a lida com os pequenos, suspeita que se agravou quando constataram que a mãe não os procurava. Nos fins de semana, era inútil convidá-la para as refeições, ir ao cinema ou viajar com eles. Quando as crianças queriam vê-la, os pais precisavam levá-las até ela.

Numa dessas ocasiões, filhos e noras tentaram convencê-la a procurar um psiquiatra, um medicamento antidepressivo a livraria daquela tristeza solitária. A resposta foi surpreendente:

― Vocês acham que mulher deprimida sai de casa para comprar este vestido lindo que estou usando?

Além do que, explicou, não se sentia nem estava solitária: descobrira no Facebook várias amigas dos tempos de solteira, viúvas como ela. Reuniam-se a cada dois ou três dias para cozinhar, tomar vinho e dar risada. Às terças e quintas, iam ao cinema; aos sábados, lotavam uma van que as levava ao teatro.

No carro, a caminho de casa, os filhos estavam desolados: 

― Como pode? Essa alegria toda, três meses depois da morte do papai?

― Deve estar em processo de negação, acrescentou a nora mais nova.

Nos meses seguintes, voltaram a insistir tantas vezes no tratamento psiquiátrico, que ela os proibiu de tocar no assunto, sob pena de não recebê-los mais.

A harmonia familiar desandou de vez num domingo de verão. Sem conseguir falar com a mãe por dois dias, os filhos decidiram procurá-la. O zelador do prédio avisou que não adiantava subir, dona Ana saíra com a mala na quinta-feira, sem revelar quando voltaria.

Segunda-feira depois do jantar, os filhos foram vê-la. Com ar consternado, revelaram estar preocupadíssimos com o comportamento materno, achavam que a perda do marido com quem havia convivido quase meio século, comprometera sua sanidade mental.

Num tom mais calmo do que o dos rapazes, a mãe contou que, na volta do enterro, abriu uma garrafa de vinho pela primeira vez na vida, sentou naquele sofá em que se achavam e pensou em voz alta:

― Vou fazer setenta anos. De hoje em diante não dou satisfação para mais ninguém.

VARELLA, Dráuzio. Dona Ana. Drauzio Varella. 4 abr. 2016. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/dona-ana/>. Acesso em: 20 abr. 2016 (Adaptação).

Assinale a alternativa em que a palavra destacada não desempenha uma função adjetiva no trecho.

Alternativas
Comentários
  • Basta ver quem combina em genero e número com o "Nome" relativo.

  • Letra D

     

    Para diferenciar substantivo  de  adjetivo:

    O substantivo nomeia os seres existentes, animados ou inanimados, reais ou imaginários: computador, lousa, giz, gente, animais, anjo etc., mesmo que seja só na sua imaginação: fantasmas, ar, vento, oxigênio, mula sem cabeça, Deus, beijo etc.

     

    Já o adjetivo  são as palavras que representam atribuições de qualidades (boas ou ruins), de espécie, de características, de estado que podem ser dadas aos substantivos ou aos pronomes substantivos.


    Exemplos de adjetivos:

    amarelo(a), amargurada, amazonense, argentino, belo, cheiroso(a), estudioso, falante, fedorento, folgada, grande, histórico, malcheiroso, murcho, musculoso, nipo-brasileiro, novo, paulistano, pequeno, verde-claro, velho etc.

  • Consegui identificar pelo pronome pocessivo SUA, que é pronome adjetivo que vai acompanhar um termo substantivo modificando, acrescentando uma ideia:


    administrar os móveis de SUA PROPRIEDADE...


    Muitas vezes agente se confundi porque dependendo do contexto uma palavra pode ser adjetivo,substantivo e até mesmo um adverbio! Ainda estou aprendendo mas o que me ajuda a indentificar a classe gramatical é você colocar frase na ordem direta se estiver invertida e fazer a análise sintática...


    Fiquei na dúvida na letra B mas acho que a palavra preuculpadíssima está fazendo papel de predicativa do sujeito ELEs ou seja só pode ser um adjetivo...

    Essa é a minha contribuição se tiver uma forma mais fácil de identificar o adjetivo ou se eu tiver errado em algo por favor me corrijam!

  • Adjetivo preocupadíssimos:

    Flexão de grau dos adjetivos

    ->grau superlativo = intensifica os seres

    grau superlativo absoluto:

    analítico: adv+adj : era muito estudioso

    sintético: adj+afixo: estudiosíssimo

  • A)

    Os predicativos exercem função adjetiva...perceba: Seu Antônio era (TÃO) educado e (TÃO) Agradável.

    B)

    Os adjetivos podem aparecer no grau absoluto sintético (emprego de sufixos).

    C) Não esqueça que os adjetivos expressam= qualidades, estados, aspectos, locais de origem..

    D) É possível localizar o substantivo devido a sua relação com artigos, numerais, pronomes.. tente imaginar um "a" antes do termo. Sua propriedade= a propriedade.

    Sucesso, Bons estudos Nãodesista!

  • GABARITO: D