Flavio Pechansky, Claudia Maciel Szobot, Sandra Scivoletto, em seu
artigo “Uso de álcool entre adolescentes: conceitos, características
epidemiológicas e fatores etiopatogênicos", de 2004, descreveram aspectos epidemiológicos,
etiopatogênicos e diagnósticos associados ao consumo de bebidas alcoólicas por
adolescentes, visando orientar profissionais não especialistas no manejo destas
difíceis questões.
Segundo
eles, alguns prejuízos associados à intoxicação e ao beber regularmente nesta
fase:
“1)
O uso de álcool por menores de idade
está mais associado à morte do que todas as substâncias psicoativas ilícitas em
conjunto. Sabe-se, por exemplo, que os acidentes automobilísticos são a
principal causa de morte entre jovens dos 16 aos 20 anos. Estima-se que 18%
dos adolescentes norte-americanos com idade entre 16 e 20 anos dirijam
alcoolizados, dado de extrema importância ao sabermos que os comportamentos de
risco, como os que resultam em acidentes automobilísticos, respondem por 29%
das mortes de adolescentes. Este comportamento é mais característico de
adolescentes do que adultos, pois a prevalência de acidentes automobilísticos
fatais associados com álcool, entre jovens de 16 a 20 anos, é mais do que o
dobro da prevalência encontrada nos maiores de 21 anos. Em recente estudo
realizado na fronteira EUA/México, o consumo de bebidas alcoólicas entre
adolescentes mostrou-se associado com dirigir alcoolizado (OR=5,39) e com pegar
carona com motorista alcoolizado (OR=3,12).
2
) Estar alcoolizado aumenta a chance de
violência sexual, tanto para o agressor quando para a vítima. Da mesma forma,
estando intoxicado, o adolescente envolve-se mais em atividades sexuais sem
proteção, com maior exposição às doenças sexualmente transmissíveis, como ao
vírus HIV, e maior exposição à gravidez. A ligação entre sexo desprotegido
e uso de álcool parece ser afetada pela quantidade de álcool consumida,
interferindo na elaboração do juízo crítico (Sen, 2002). Dados nacionais
apontam para uma associação entre uso de álcool, maconha e comportamentos
sexuais de risco – como início precoce de atividade sexual, não uso de
preservativos, pagamento por sexo e prostituição.
3)
O consumo de álcool na adolescência
também está associado a uma série de prejuízos acadêmicos. Esses podem
decorrer do déficit de memória: adolescentes com dependência de álcool
apresentam mais dificuldade em recordar palavras e desenhos geométricos simples
após um intervalo de 10 minutos, em comparação a adolescentes sem dependência
alcoólica. Sabendo-se que a memória é função fundamental no processo de
aprendizagem e que esta se altera com o consumo de álcool, é natural que este
também comprometa o processo de aprendizagem. A queda no rendimento escolar,
por sua vez, pode diminuir a auto-estima do jovem, o que representa um
conhecido fator de risco para maior envolvimento com experimentação, consumo e
abuso de substâncias psicoativas. Assim, a conseqüência do uso abusivo de
álcool para o adolescente poderia levá-lo a aumentar o consumo em uma cadeia de
retroalimentação, ao invés de motivá-lo a diminuir ou interromper o uso.
4)
A percepção que o adolescente tem sobre os problemas decorrentes do consumo de
álcool não acompanha, necessariamente, a hierarquia dos prejuízos considerados
mais graves. Sabe-se, por exemplo, que 50% dos jovens que bebem regularmente
apontam como a principal conseqüência negativa o fato de terem se comportado de
uma forma imprópria durante ou após o consumo. Da mesma forma, 33% destes
adolescentes queixam-se de prejuízo no pensamento. Apenas 20% descrevem o ato
de dirigir alcoolizado como um dos problemas decorrentes, em contraste com o
fato de os acidentes automobilísticos com motorista alcoolizado serem a
principal causa de mortes nesta faixa etária (SAMHSA, 1998). Além disso, outros
"freios sociais" presentes entre os adultos (problemas familiares,
perda de emprego, prejuízo financeiro) – e que muitas vezes são vistos como
alertas para a diminuição do consumo – estão ausentes entre os adolescentes.
Esta seria uma possível explicação para jovens evoluírem mais rapidamente do
abuso para a dependência, quando comparados com os adultos.
Os
prejuízos associados ao uso de álcool estendem-se ao longo da vida. Os seus
efeitos repercutem na neuroquímica cerebral, em pior ajustamento social e no
retardo do desenvolvimento de suas habilidades, já que um adolescente ainda
está se estruturando em termos biológicos, sociais, pessoais e emocionais.
Abaixo, alguns dos efeitos do uso de álcool na adolescência ao longo da vida:
1)
O uso de álcool na adolescência expõe o
indivíduo a um maior risco de dependência química na idade adulta, sendo um
dos principais preditores de uso de álcool nesta etapa da vida. A
manutenção do consumo em idade adulta pode ocorrer por diferentes fatores. O
uso de álcool na adolescência pode ser apenas um marcador do uso de álcool na
idade adulta ou, então, pode interferir na neuroquímica cerebral, ainda em
desenvolvimento na adolescência.
2)
O uso de álcool em adolescentes está associado a uma série de prejuízos
neuropsicológicos, como na memória. Outros danos cerebrais incluem
modificações no sistema dopaminérgico, como nas vias do córtex pré-frontal e do
sistema límbico. Alterações nestes sistemas acarretam efeitos significativos em
termos comportamentais e emocionais em adolescentes. É importante
destacar que, durante a adolescência, o córtex pré-frontal ainda está em
desenvolvimento. Como ele pode ser afetado pelo uso de álcool, uma série de
habilidades que o adolescente necessita desenvolver e que são mediadas por este
circuito – como o aprendizado de regras e tarefas focalizadas – ficarão
prejudicadas. O hipocampo, associado à memória e ao aprendizado, é afetado pelo
uso de álcool por adolescentes, apresentando-se com menor volume em usuários de
álcool do que em controles e tendo sua característica funcional afetada pela
idade de início do uso de álcool e pela duração do transtorno. Estes dados são
importantes, pois demonstram haver um efeito cerebral conseqüente ao consumo de
álcool em adolescentes; os efeitos ocorrem em áreas cerebrais ainda em
desenvolvimento e associadas a habilidades cognitivo-comportamentais que
deveriam iniciar ou se firmar na adolescência."
O
artigo pode ser acessado na íntegra em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462004000500005GABARITO: A