SóProvas


ID
2927173
Banca
IBADE
Órgão
SEE-AC
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto I

                           O VIAJANTE CLANDESTINO


- Não é arvião. Diz-se: avião.

O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar? A criança tem a vantagem de estrear o mundo, iniciando outro matrimônio entre as coisas e os nomes. Outros a elas se semelham, à vida sempre recém-chegando. São os homens em estado de poesia, essa infância autorizada pelo brilho da palavra.

- Mãe: avioneta é a neta do avião?

Vamos para a sala de espera, ordenou a mãe. Sala de esperas? Que o miúdo acreditava que todas as salas fossem iguais, na viscosa espera de nascer sempre menos. Ela lhe admoestou, prescrevendo juízo. Aquilo era um aeroporto, lugar de respeito. A senhora apontou os passageiros, seus ares graves, sotúrnicos. O menino mediu-se com aquele luto, aceitando os deveres do seu tamanho. Depois, se desenrolou do colo materno, fez sua a sua mão e foi à vidraça. Espreitou os imponentes ruídos, alertou a mãe para um qualquer espanto. Mas a sua voz se arfogou no tropel dos motores.

Eu assistia a criança. Procurava naquele aprendiz de criatura a ingenuidade que nos autoriza a sermos estranhos num mundo que nos estranha. Frágeis onde a mentira credencia os fortes.

Seria aquele menino a fractura por onde, naquela toda frieza, espreitava a humanidade? No aeroporto eu me salvava da angústia através de um exemplar da infância. Valha-nos nós.

O menino agora contemplava as traseiras do céu, seguindo as fumagens, lentas pegadas dos instantâneos aviões. Ele então se fingiu um aeroplano, braços estendidos em asas. Descolava do chão, o mundo sendo seu enorme brinquedo. E viajava por seus infinitos, roçando as malas e as pernas dos passageiros entediados. Até que a mãe debitou suas ordens. Ele que recolhesse a fantasia, aquele lugar era pertença exclusiva dos adultos.

-Arranja-te. Estamos quase a partir.

- Então vou despedir do passaporteiro.

A mãe corrigiu em dupla dose. Primeiro, não ia a nenhuma parte. Segundo, não se chamava assim ao senhor dos passaportes. Mas só no presente o menino se subditava. Porque, em seu sonho, mais adiante, ele se proclama:

-Quando for grande quero ser passaporteiro.

E ele já se antefruía, de farda, dentro do vidro. Ele é que autorizava a subida aos céus.

-Vou estudar para migraceiro.

- És doido, filho. Fica quieto. 

O miúdo guardou seus jogos, constreito. Que criança, neste mundo, tem vocação para adulto?

Saímos da sala para o avião. Chuviscava. O menino seguia seus passos quando, na lisura do alcatrão, ele viu o sapo. Encharcado, o bicho saltiritava. Sua boca, maior que o corpo, traduzia o espanto das diferenças. Que fazia ali aquele representante dos primórdios, naquele lugar de futuros apressados?

O menino parou, observente, cuidando os perigos do batráquio. Na imensa incompreensão do asfalto, o bicho seria esmagado por cega e certeira roda

- Mãe, eu posso levar o sapo?

A senhora estremeceu de horror. Olhou vergonhada, pedindo desculpas aos passantes. Então, começou a disputa. A senhora obrigava o braço do filho, os dois se teimavam. Venceu a secular maternidade. O menino, murcho como acento circunflexo, subiu as escadas, ocupou seu lugar, ajeitou o cinto. Do meu assento eu podia ver a tristeza desembrulhando líquidas missangas no seu rosto. Fiz-lhe sinal, ele me encarou de soslado. Então, em seu rosto se acendeu a mais grata bandeira de felicidade. Porque do côncavo de minhas mãos espreitou o focinho do mais clandestino de todos os passageiros.

COUTO, Mia. “O viajante clandestino". In:______ . Cronicando. Espanha : Txalaparta , 2011. D i s p o n í v e l em: <www.contioutra.com/o-viajante-clandestino-mia-couto/>. Acesso em: 10 dez. 2018 (adaptado).

Em “Ela lhe admoestou, prescrevendo juízo”, percebe-se o uso de uma metáfora bastante recorrente em expressões do cotidiano. Em qual alternativa se exibe uma dessas expressões?

Alternativas
Comentários
  • ADMOSTAR = avisar (alguém) da incorreção de seu modo de agir, pensar etc.; censurar, repreender.

    R= A 'Toma vergonha!"

  • TOMAR: ATO DE BEBER/LEVAR CONSIGO.

    TOME VERGONHA: BEBA VERGONHA/CARREGUE VERGONHA: METÁFORA PARA TER VERGONHA DE SEUS MAUS HÁBITOS.

  • Achei estranho este gabarito, pois metáfora é comparação sem conectivo.

  • TA SERTO

  • Eu também errei rsrs ....

    GABARITO LETRA A

    JUSTIFICATIVA DA BANCA ...

    No enunciado da questão pedia-se que fosse selecionada a alternativa em que a metáfora se assemelhasse com a metáfora presente na frase “Ela lhe admoestou, prescrevendo juízo”. Em todas as alternativas é notório que há metáfora, porém, a metáfora “prescrevendo juízo”, apresenta a noção abstrata de “juízo” como um “remédio” às brincadeiras da criança.

    Assim, a única alternativa correta é a que contém a expressão “Toma vergonha!”, que compara a noção de “vergonha” a um remédio que poderia ser tomado para a irresponsabilidade do interlocutor a quem a frase se dirige.

    Sou uma formiga com doces apresenta a noção abstrata de gostar muito de doces e por encontramos muitas formigas em doces faz-se essa relação.

    Pare de viajar na maionese, por se tratar de um alimento cremoso e escorregadio faz-se a relação com pensamentos escorregadios e sem sentido.

    Respeite meus cabelos brancos, por fazer-se relação com maior idade e com a relação de respeito com os mais velhos.

    Não fique enfeitando o pavão, por fazer-se relação da calda do pavão, que é colorida, com algo a mais que está sendo colocado em algum lugar.