Com relação à responsabilidade civil do Estado, o artigo 37, §6º, da
Constituição Federal determina que “as pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
A
Constituição Federal consagra, como regra, a responsabilidade objetiva do
Estado e das empresas prestadoras de serviço público pelos danos causados a
terceiros por seus agentes.
A
responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e pessoas privadas de
direito privado é objetiva, logo, independe de dolo ou culpa. Já a
responsabilidade do agente causador do dano é subjetiva, isto é, depende da
demonstração de dolo ou culpa. Assim, o Estado ou a empresa prestadora de
serviço público só terão direito de regresso contra o agente caso este tenha
agido com dolo ou culpa.
Discute-se,
porém, na doutrina e na jurisprudência, se o particular lesado tem direito de
ação apenas contra a pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de
direito privado prestadora de serviço público a que o agente causador do dano é
vinculado ou se o particular, vítima do dano, tem direito de ação diretamente
contra o agente, pessoa física, causador do dano.
Com
relação a essa discussão, o Supremo Tribunal Federal adotou a chamada teoria da
dupla garantia. De acordo com a teoria da dupla garantia, o particular lesado
tem direito de ação apenas contra a pessoa jurídica de direito público ou
empresa privada prestadora de serviço público a que o agente causador do dano
seja vinculado. O particular não tem direito de ação diretamente contra o
agente.
Essa
teoria é chamada de teoria da dupla garantia, porque, de acordo com ela, o
particular tem a garantia de ser indenizado pela pessoa jurídica de direito
público ou pela pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço
público e, ao mesmo tempo, o servidor estatal ou o agente vinculado a empresa
prestadora de serviço público tem a garantia de responder por seus atos, civil
e administrativamente, apenas perante as pessoas jurídicas a que são vinculados
e nunca perante particulares.
Merece
destaque o leading case do Supremo Tribunal Federal em que a Corte
Constitucional adotou a teoria da dupla garantia. Vejamos a ementa do julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA
CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA
DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna
Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito
público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços
públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a
terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na
qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo
dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do
particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de
direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem
maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente
sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente
responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro
funcional se vincular. Recurso
extraordinário a que se nega provimento.
(RE 327904, Relator(a): Min.
CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00043
EMENT VOL-02246-03 PP-00454 RTJ VOL-00200-01 PP-00162 RNDJ v. 8, n. 86, 2007,
p. 75-78)
Importante destacar que a adoção da teoria da dupla garantia não é pacífica em nossa doutrina e jurisprudência, de modo que há quem defenda que o agente público ou o agente de empresa privada de direito público pode ser diretamente acionado pelo particular lesado.
Nesse sentido,
destacamos o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E
ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DE AGENTE PÚBLICO PARA RESPONDER
DIRETAMENTE POR ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO. Na hipótese de dano
causado a particular por agente público no exercício de sua função, há de se
conceder ao lesado a possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente,
contra o Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma
garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos
diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que
o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente
público. Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado
decorrente do risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda
tenha curso forçado em face da administração pública, quando o particular
livremente dispõe do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público
de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado
dolo ou culpa, responderá de qualquer forma, em regresso, perante a
Administração. Dessa forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o
agente público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por
um lado, o particular abre mão do sistema
de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se
sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não
são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação. Posto isso,
o servidor público possui legitimidade passiva para
responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de
sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a
própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente
citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009. (REsp 1.325.862-PR, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013. Informativo. 532 do STJ.
Disponível em www.stj.jus.br. Acesso
em 08/03/2021)
O enunciado da questão
faz referência a uma teoria que garante ao particular direito de ação contra o
Estado ou contra a empresa
prestadora de serviço público e assegura ao agente
público a garantia de só responder, civil e administrativamente, perante a
pessoa jurídica a que está vinculado. O enunciado da questão, portanto, faz
clara referência à teoria da dupla garantia adotada pelo Supremo Tribunal
Federal.
Vejamos, agora, as
alternativas da questão:
A) dupla garantia.
Correta.
Como vimos, esta é a teoria descrita no enunciado da questão.
B) responsabilidade
subjetiva.
Incorreta.
A teoria da responsabilidade subjetiva é a teoria segundo a qual só há
responsabilidade se comprovado dolo ou culpa do agente causador do dano.
C) imputação
volitiva.
Incorreta.
A teoria da imputação volitiva é a teoria segundo a qual os órgãos públicos são
instrumentos da atuação estatal e a atuação dos órgãos, por meio de seus
agentes, é imputada à pessoa jurídica a que o órgão é vinculado.
D) responsabilidade
objetiva.
Incorreta.
A teoria da responsabilidade objetiva do Estado é a teoria segundo a qual o
Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes,
independentemente da comprovação de dolo ou culpa.
E) risco administrativo.
Incorreta.
A teoria do risco administrativo é a teoria segundo a qual o Estado, por ter
mais poder que os particulares, deve arcar com o risco das atividades
administrativas que realiza. A teoria do risco administrativo é um dos
fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado.
Gabarito do professor: A.