Na publicação citada no comando da questão, o CFP (2012) aponta treze reações para defender uma política para usuários de crack. São elas:
1. Defendemos o Sistema Único de Saúde (SUS) – um dos
maiores patrimônios nacionais, construído coletivamente para
cuidar da saúde da população brasileira. Defendemos a aprovação da
Emenda Constitucional nº 29 e a possibilidade de garantir e ampliar
financiamento para consolidar suas ações, inclusive para a política de
crack, álcool e outras drogas, assegurando seu caráter eminentemente
público, em oposição a todas as formas de privatização da saúde.
2. Defender os princípios e diretrizes do SUS, principalmente o
princípio da PARTICIPAÇÃO, que garante o direito do usuário de ser
esclarecido sobre a sua saúde, de intervir em seu próprio tratamento e de
ser considerado em suas necessidades, em função de sua subjetividade,
crenças, valores, contexto e preferências.
3. Defender a continuidade e o avanço do processo de Reforma
Psiquiátrica Antimanicomial em curso no Brasil – regulamentada na
Lei nº 10.216/2001, que criou os serviços de atenção psicossocial de
caráter substitutivo ao modelo asilar – para o cuidado de pessoas com
sofrimento mental e problemas no uso de álcool e outras drogas.
4. Considerar que o Estado é laico e democrático e, por isso, não
deverá, a pretexto de tratamento, impor crença religiosa a nenhum
de seus cidadãos, mesmo quando estes fizerem uso problemático de
álcool ou outras drogas. Da mesma forma, compete ao Estado respeitar
e promover a cidadania destes usuários, recusando todas as propostas
que violem seus direitos, como a internação compulsória e restrição da
liberdade como método de tratamento.
5. Superar o isolamento em instituições totais, tais como hospitais
psiquiátricos ou comunidades terapêuticas – que geram mais dor,
sofrimento, violação dos direitos humanos –, por uma rede de serviços
substitutivos como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Leitos em
Hospitais Gerais, Casas de Acolhimento Transitório, Consultórios de Rua
e outras invenções que se fizerem necessárias para garantir o cuidado
em liberdade.
6. Reconhecer que as cenas públicas de uso de drogas, as chamadas
cracolândias, que tanto incomodam a população em geral, são também efeitos da negligência pública e da hipocrisia social. A transformação desta situação impõe a criação de políticas públicas que incluam os
usuários e a população local, através da implantação de projetos de
moradia social, geração de renda, qualificação do espaço urbano,
educação, lazer, esporte, cultura, etc.
7. O cuidado em liberdade, dentro do SUS, dos usuários de crack,
álcool e outras drogas já é realidade em nosso país. São Bernardo do
Campo (SP) e Recife (PE) são exemplos do êxito desta política, cujos
investimentos exclusivamente voltados para a rede pública propiciaram
a invenção de uma rede diversificada de serviços substitutivos, que
asseguram cidadania. A sustentação radical desta política permite
a ambos municípios prescindirem da inclusão de comunidades
terapêuticas e de hospitais psiquiátricos como lócus de tratamento.
8. Quem usa drogas é vizinho, pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, amigo,
amiga, parente de alguém, meu ou seu. Portanto, é preciso superar a
ideia de que o usuário de drogas é perigoso, perdido, irrecuperável ou
um monstro. Tais idéias provocam uma urgência de respostas mágicas,
levam a sociedade a demandar medidas políticas sem a prévia reflexão
necessária, justificando e legitimando a violência contra estes novos
párias sociais.
9. A humanidade sempre usou drogas em cerimônias, festas, ritos,
passagens e em contextos limitados. Nossa sociedade precisa se
indagar sobre o significado do consumo que o mundo contemporâneo
experimenta e tanto valoriza, buscando entender o uso abusivo de
drogas nos dias de hoje e as respostas que têm dado ao mesmo.
10. As sociedades convivem com muitas drogas, lícitas ou ilícitas. As
pessoas que usam drogas de forma prejudicial precisam de ajuda, apoio,
respeito e de redes públicas de atenção que garantam sua cidadania e
liberdade. Para tal, as ações de redução de danos, que responsabilizam
o cidadão por suas escolhas e estabelecem laços de solidariedade, devem ser orientadoras do cuidado, sempre articuladas com as demais
políticas públicas.
11. A leitura do fenômeno do uso abusivo de drogas, em particular,
do consumo de crack, como uma epidemia, além de grave equívoco de interpretação dos dados epidemiológicos que não demonstram isto,
provoca uma reação social que instaura o medo e autoriza a violência
e a arbitrariedade, levando à justificação de medidas autoritárias,
coercitivas e higienistas.
12. Comunidades terapêuticas não são dispositivos de saúde pública.
São a versão moderna dos antigos manicômios, seja pela função social
a elas endereçada, quanto pelas condições de uma suposta assistência
ofertada. Elas reintroduzem o isolamento das instituições totais,
propondo a internação e permanência involuntárias, centram suas
ações na temática religiosa, frequentemente desrespeitando tanto a
liberdade de crença quanto o direito de ir e vir dos cidadãos. Portanto,
rompem com a estrutura de rede que vem sendo construída pelo SUS,
não havendo qualquer justificativa técnica para seu financiamento
público.
13. Os direitos humanos, os princípios da saúde pública e as
deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental
devem orientar a aplicação e os investimentos públicos na criação
das redes e serviços de atenção a usuários de crack, álcool e outras drogas. Qualquer política que proponha agregar outros serviços com orientação distinta da adotada pela Reforma Psiquiátrica e pelo SUS,
estará tentando conciliar o inconciliável e deste modo, camuflando
diferenças em nome de outros motivos ou interesses e produzindo um
claro desrespeito à política e à sociedade.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Drogas e Cidadania: em debate. Brasília: CFP, 2012.
GABARITO: D