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ID
3045820
Banca
CETAP
Órgão
Prefeitura de Ourém - PA
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                            A Trump o que é de César.


      Há algumas semanas, um sujeito muito parecido com Donald Trump levou 33 punhaladas no meio do Central Park, em Nova York. O sangue era cênico e os punhais eram falsos, mas o furor causado pela encenação nada teve de figurativo. Entre 23 de maio e 18 de junho, milhares de pessoas enfrentaram filas para assistir ao assassinato, enquanto outras tantas campeavam a internet denunciando a peça como apologia do terror politico. Nada mau, repare-se, para um texto que anda entre nós há mais de 400 anos: o espetáculo em questão é uma montagem de Júlio César, peça escrita por William Shakespeare em 1599. Nessa adaptação, dirigida por Oskar Eustin, o personagem-título tinha uma cabeleireira desbotada e usava terno azul, com gravata vermelha mais comprida que o aconselhável; sua esposa, Calpúrnia, falava com reconhecível sotaque eslavo. Um sósia presidencial encharcado de sangue é visão que não poderia passar incólume em um país que já teve quatro presidentes assassinados: após as primeiras sessões, patrocinadores cancelaram seu apoio, fãs do presidente interromperam a peça aos gritos, e e-mails de ódio choveram sobre companhias teatrais que nada tinham a ver com o assunto - exceto pelo fato de carregarem a palavra "Shakespeare” no nome.

      Trocar togas por ternos não é ideia nova. Orson Welles fez isso em 1973, no Mercury Theater de Nova York; nessa célebre montagem, o ditador romano ganhou ares de Mussolini e foi esfaqueado pelo próprio Welles, que interpretava Brutus. Nas décadas seguintes, outras figuras modernas emprestaram trajes e trejeitos ao personagem: entre elas, Charles de Gaulle, Fidel Castro e Nicolae Ceausescu. Atualizações como essas expandem, mas não esgotam, o texto de Shakespeare - é muito difícil determinar, pela leitura da peça, se a intenção do bardo era louvar, condenar ou apenas retratar, com imparcialidade, os feitos sanguinolentos dos Idos de Março. Por conta dessa neutralidade filosófica, a tarefa de identificar o protagonista da peça é famosamente complicada: há quem prefira Brutus; há que escolha Marco Antônio ou até o velho Júlio.

      O texto, como bom texto, não corrobora nem refuta: ele nos observa. Tragédias não são panfletos, e obras que se exaurem em mensagens inequívocas dificilmente continuarão a causar deleite e fúria quatro séculos após terem sido escritas. Em certo sentido, a boa literatura é uma combinação bem-sucedida de exatidão e ambiguidade: se os versos de Shakespeare ainda causam tamanho alvoroço, é porque desencadeiam interpretações inesgotáveis e, às vezes, contraditórias, compelindo o sucessivo universo humano a se espelhar em suas linhas. Ao adaptar a grande literatura do passado ao nosso tempo, também nós nos adaptamos a ela: procuramos formas de comunicar o misterioso entusiasmo que essas obras nos causam e projetamos o mundo, como o vemos em suas páginas.

      Não, Shakespeare não precisa ter terno e gravata para ser atual - mas se o figurino cai bem, por que não vesti-lo?

     (Fonte: BOTELHO, José Francisco. Revista VEJA. Data: 18 de julho de 2017)

"A Trump o que é de César”, com esse texto, o autor:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA D

    → de acordo com o texto, com a leitura atenta do primeiro parágrafo, conseguimos matar a questão:

    → Há algumas semanas, um sujeito muito parecido com Donald Trump levou 33 punhaladas no meio do Central Park, em Nova York. O sangue era cênico e os punhais eram falsos, mas o furor causado pela encenação nada teve de figurativo. Entre 23 de maio e 18 de junho, milhares de pessoas enfrentaram filas para assistir ao assassinato, enquanto outras tantas campeavam a internet denunciando a peça como apologia do terror politico. Nada mau, repare-se, para um texto que anda entre nós há mais de 400 anos: o espetáculo em questão é uma montagem de Júlio César, peça escrita por William Shakespeare em 1599. Nessa adaptação, dirigida por Oskar Eustin, o personagem-título tinha uma cabeleireira desbotada e usava terno azul, com gravata vermelha mais comprida que o aconselhável; sua esposa, Calpúrnia, falava com reconhecível sotaque eslavo. Um sósia presidencial encharcado de sangue é visão que não poderia passar incólume em um país que já teve quatro presidentes assassinados [..]

    → Júlio César foi alvo de uma conspiração e foi assassinado, o autor, através do título, faz uma alusão a esse fato, proclamando que o mesmo ocorra a Trump.

    FORÇA, GUERREIROS(AS)!! ☺

  • Como esse texto demonstra que o autor concorda que o presidente merecia morrer?

    Risível! bem como concordar que isso é gabarito. O autor tão somente narra um acontecimento e trata dos aspectos históricos e literários de Shakespeare.

  • Não sei se o autor teve esse pensamento, mas a frase só remete a isso.

  • Sei que não vai me ajudar a passar, mas discordo veementemente do gabarito. Na verdade, o texto enaltece, em todo o seu discorrer, a obra de Shakespeare, como nas passagens: "Nada mau, repare-se, para um texto que anda entre nós há mais de 400 anos" (linhas 3-4); "O texto, como bom texto" (linha 15) ou "Shakespeare não precisa ter terno e gravata para ser atual" (linha 20).

  • Gab: D

    "A Trump o que é de César”

    > César foi assassinado por seus outrora aliados, foi morto a punhaladas, assim como o Trump da performance;

    > No entanto, achei a questão ambígua, não dá muito pra entender se o enunciado se refere estritamente ao título ou ao texto todo... a letra "A" não estaria de todo errada no segundo caso.

  • Afirmar q o autor do texto desejava a morte de qualquer pessoa, pra mim, é a conclusão mais equivocada q se pode ter. O texto todo é cheio de passagens demonstrando o teatro de shakespeare como atual e q a encenação na praça foi uma das muitas releituras. O texto fala da atualidade das obras do autor inglês, isso me parece óbvio. Agora se a pessoa ler apenas o título, isolado de todo o resto, como um bom leitor de twitter, e com um pouco de paranoia ideológica, aí sim dá pra chegar na conclusão do gabarito

  • acabei de pesquisar no site da organizadora e a correta é a letra A mesmo! Esse gabarito tá errado já notifiquei o site, ta claro que ele quis exaltar a obra do shakespeare