SóProvas


ID
3138742
Banca
VUNESP
Órgão
Prefeitura de Itapevi - SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                            “Tire suas próprias conclusões”


      Essa é a frase que mais tenho ouvido recentemente. Passada a euforia de uma notícia qualificada como “bomba”, logo os atores de uma das partes corriam a público para disponibilizar a íntegra daquilo que antes foi veiculado em partes.

      É preciso saber de tudo e entender de tudo. É preciso tirar as próprias conclusões para não depender de ninguém, e é esse o grande e contraditório imperativo dos nossos tempos. É uma ordem a uma experimentação libertária, e uma quase contradição do termo. O imperativo que liberta também aprisiona: você só passa a ser, ou a pertencer, se tiver uma conclusão. Sobre qualquer coisa.

      Nas últimas décadas psicanalistas se debruçaram sobre as mudanças nos arranjos produtivos e sociais de cada período histórico para compreender e nomear as formas de sofrimento decorrentes delas. A revolução industrial, a divisão social do trabalho, a urbanização desenfreada e as guerras, por exemplo, fizeram explodir o número de sujeitos impacientes, irritadiços e perturbados com a velocidade das transformações e suas consequentes perdas de referências simbólicas.

      Pensando sobre o imperativo “Leia/Veja/Assista” e “Tire suas próprias conclusões”, começo a desconfiar de que estamos diante de uma nova forma de sofrimento relacionado a um mal-estar ainda não nomeado. Afinal, que tipo de sujeito está surgindo de nossa nova organização social? O que a vida em rede diz sobre as formas como nos relacionamos com o mundo? Que tipos de valores surgem dali? E, finalmente, que tipo de sofrimento essa vida em rede tem causado?

      Vou arriscar e sair correndo, já sob o risco de percorrer um campo que não é meu: estamos vendo surgir o sujeito preso à ideia da obrigação de ter algo a dizer. Ao longo dos séculos essa angústia era comum aos chamados formadores de opinião e artistas, responsáveis por reinterpretar o mundo. Hoje basta ter um celular com conexão 3G para ser chamado a opinar sobre qualquer coisa. Pensamos estar pensando mesmo quando estamos apenas terceirizando convicções ao compartilhar aquilo que não escrevemos.

      É uma nova versão de um conflito descrito por Clarice Lispector a respeito da insuficiência da linguagem. Algo como: “Não só não consigo dizer o que penso como o que penso passa a ser o que digo”. Se vivesse nas redes que atribuem a ela frases que jamais disse, o “dizer” e o “pensar” teriam a interlocução de um outro verbo: “compartilhar”.

(Matheus Pichonelli, Carta Capital. 18.03.2016. www.cartacapital.com.br. Adaptado)

No contexto do segundo parágrafo, a “experimentação libertária” refere-se

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    É preciso saber de tudo e entender de tudo. É preciso tirar as próprias conclusões para não depender de ninguém, e é esse o grande e contraditório imperativo dos nossos tempos. É uma ordem a uma experimentação libertária

    ? Ou seja, uma experimentação libertária é pensar livremente, criando suas próprias teorias e extraindo sem a ajuda de ninguém um pensamento singular e subjetivo.

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    FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • Esta questão versa sobre interpretação de texto, mais precisamente sobre localização da ideia central dentro de um texto. O enunciado pede para que o concurseiro aponte o significado de uma expressão, mas, para isso, é necessário que o candidato tenha compreendido o texto associado como um todo, pois, caso contrário, a tarefa pode se revelar bastante difícil.

     

    O interessante é que o texto joga exatamente com a noção de intepretação do que seria liberdade de se expressar. E isso num momento em que as redes sociais ainda não tinham todo o poder que têm hoje – o texto foi publicado originalmente em 2016. Notem que, em diversos fragmentos, o autor joga com a questão da falsa liberdade que as redes sociais proporcionam a quem faz uso delas de modo excessivo, a começar pelo título do artigo: “Tire suas próprias conclusões". O verbo tirar no imperativo, (tire), assim como outros que aparecem ao longo do texto (casos de leia, veja, assista – formas que expressam ordem, o ato de mandar) ajudam a reforçar a ideia de que a liberdade nas redes sociais não é uma experiência plena de liberdade, haja vista os conteúdos não serem examinados com o devido cuidado e considerando que muitos usuários apenas compartilham pensamentos de outras pessoas sem pararem para um exame. O indivíduo apenas cumpre o que um outro ordena, ainda que esse ato de mandar seja indireto.

     

    Mas, então, o que seria a experimentação libertária à qual o enunciado se refere? Seria exatamente a falsa (pretensa) sensação de liberdade de dizer, porém, sem que o sujeito perceba que está sendo controlado por alguma instância (o algoritmo, um influenciador). Reparem que a presença da palavra ordem imediatamente antes de experimentação libertária reforça isso, afinal, se existe uma ordem para algo que seja libertário, não existe liberdade.

     

    Gabarito do Professor: Letra A.