SóProvas


ID
3221899
Banca
CIEE
Órgão
SPTrans
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Ficou dois

    Faz quase 20 anos. Eu estava no mezanino de um auditório prestigiando a formatura de um grande amigo. Ele cursou Direito numa instituição muito qualificada e seu tão esperado momento de comemoração pelo término da faculdade havia chegado. Duas fileiras abaixo e duas cadeiras para a esquerda, um rapaz acompanhava todo o desenrolar do evento. Não informo o nome do meu amigo, da instituição e do rapaz para não criar constrangimentos. Pra falar a verdade, desconheço o nome do rapaz, mas, como sei que hoje qualquer pista leva rapidinho à descoberta de quem é a pessoa, prefiro preservá-la. Não estou aqui para testar a eficiência do jornalismo investigativo, mas para compartilhar uma das situações pitorescas por mim vivenciadas, de modo a refletir sobre ela e, principalmente, aprender com ela.
    No palco e na plateia, havia alegria para dar e vender. De repente, o paraninfo foi chamado para fazer o seu pronunciamento. Por um bom tempo, uma saudação efusiva se manteve até que começasse a falar. Tão logo cessou aquela manifestação calorosa, o rapaz desatou a gritar: “ficou dois!”. A frase deixou subentendido que ele mesmo ou algum amigo dele teria sido reprovado pelo paraninfo. Uma mensagem assim lançada aos quatro ventos naquele ambiente, a priori, depõe contra a integridade do docente. “Carrasco, por que reprovar formandos? Que falta de sensibilidade! – poderia pensar o público”. Revisitando esse episódio nos dias de hoje, eu até conseguiria me colocar no lugar do paraninfo e indagaria: será que esses dois alunos se empenharam ao realizar os trabalhos e provas da disciplina? Caso sim, qual a qualidade desses trabalhos? Como foi o desempenho dos discentes nas avaliações? Será que eles foram assíduos e, mais que isso, foram pró-ativos e participativos nas aulas? Ou demonstraram descaso ao longo do semestre? Supondo que tivessem apresentado dificuldades, será que procuraram conversar com o professor sobre esse assunto? Por fim, deve haver diferença de tratamento entre um aluno formando e um não formando?
    Ninguém é paraninfo por acaso. Trata-se de uma pessoa que granjeia ampla credibilidade e confiança junto aos concluintes da graduação. Não sou do Direito, mas busco agir com justiça na prática do ensino. Creio, sinceramente, que não haja professores com maior senso de justiça que os dedicados ___ área do Direito. Todos, a bem da verdade, somos juízes, e por isso mesmo muitas vezes julgamos fatos e indivíduos com base nas aparências e em poucas ocasiões alicerçados na essência das coisas. É lamentável tal realidade, porém, o importante é que o paraninfo e os dois alunos devem saber o porquê daquelas reprovações. De minha parte, além de dar crédito ao professor e entender que a conduta do rapaz acabou sendo completamente deselegante, lembro-me que me debati demais para não perder a compostura. “Ficou dois! Que pérola! Se o cara ainda for do Direito, sensacional! – avaliava com meus botões, esforçando-me para que risada nenhuma irrompesse naquele instante”. Sim, porque pela gramática tradicional o correto seria dizer “ficaram dois”.
    Acontece que mais tarde compreendi que a gramática deve, de preferência, ser dominada pelos falantes da língua portuguesa, porém em muitos casos ela é simplesmente um livro no qual diversos conteúdos estão sepultados. Já ___ língua, objeto de estudo dos linguistas, quem dá vida é o povo. E nada é mais heterogêneo do que o povo, se considerarmos, especialmente, as regiões e os níveis de escolaridade das diferentes gerações de nosso país. Não podemos esquecer que na praia, no bem-bom das férias, não se fala com a formalidade que uma reunião de negócios demanda. Além disso, a oralidade, invariavelmente, decorre da improvisação discursiva do emissor, ao passo que a linguagem escrita é afeita ao planejamento e à revisão textual. Os sociolinguistas estudiosos da variação diafásica que o digam. Independentemente de seus posicionamentos – que merecem e aqui recebem, de antemão, todo o meu respeito e apreço –, concluo que, na situação de comunicação exposta, o rapaz se pronunciou de modo inadequado. Mais do que isso: perdeu uma ótima oportunidade para ficar calado. Se assim procedesse, para a felicidade dos gramáticos, teria deixado o Rui Barbosa descansar em paz.

(Texto adaptado especialmente para esta prova. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/ficou-dois-tiagopellizzaro/. Acesso em: 13/09/2019.)

Sabendo-se que as palavras podem ser empregadas em seu sentido próprio ou figurado, observe os seguintes elementos extraídos do texto que aparecem sublinhados e relacione adequadamente as colunas a seguir.

1. Sentido próprio.
2. Sentido figurado.

( ) “Trata-se de uma pessoa que granjeia ampla credibilidade e confiança (...)” (3º§)
( ) “Que pérola!” (3º§)
( ) “Com meus botões (...)” (3º§)
( ) “Eu estava no mezanino.” (1º§)

A sequência está correta em

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    (1) ?Trata-se de uma pessoa que granjeia ampla credibilidade e confiança (...)? ? sentido denotativo, senti próprio, sentido real, significando "cultivar".

    (2) ?Que pérola!? ? o substantivo em destaque está sendo em seu sentido figurado, sentido conotativo, marca o uso de algo marcado como raro, algo marcante, referindo-se à concordância incorreta "ficou dois".

    (2) ?Com meus botões (...)? ? avaliava com meus botões (=refere-se figurativamente ao modo como ele avaliava a fala incorreta, marcando uma avaliação comedida).

    (1) ?Eu estava no mezanino.? ? sentido denotativo, refere-se a uma espécie de mesa.

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    FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Assertiva A

    1, 2, 2, 1.

  • SIGNIFICADO DE GRANJEAR

    verbo transitivo direto

    Cultivar a terra; lavrar, amanhar, arrotear: granjear a terra.

    verbo transitivo direto e bitransitivo

    Conseguir com muito trabalho ou esforço; obter, adquirir: granjear riquezas.

    Atrair o interesse ou a atenção de; conquistar: granjear simpatias.