SóProvas


ID
3411646
Banca
IBADE
Órgão
SAAE de Vilhena - RO
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

CIDADE DE MESENTÉRICOS [OLAVO BILAC, 1899]


      Há casas vastas e belas que ficam longo tempo fechadas, num silêncio de morte, num sono de aniquilamento.

        Conhecem os senhores cousa mais triste do que um palácio desabitado? Enquanto os outros prédios, em torno, abrem o seio, durante o dia, ao sol, e à noite, despejam para fora, pelas janelas rasgadas, o pairar da alegria, da música e das conversas — a casa vazia fica fechada e triste como um túmulo.

      O Rio de Janeiro está, quase sempre, assim... Cidade macambúzia, cidade de dispépticos e de mesentéricos, Sebastianópolis parece estar sempre carregando o luto de uma grande catástrofe. Já alguém notou que o carioca anda sempre olhando para o chão, como quem procura o lugar em que há de cavar a própria sepultura. E quem escreve estas linhas já viu, uma noite, a polícia prender três rapazes que, havendo ceado bem, se recolhiam à casa de amigos cantando um coro de uma opereta qualquer. E prendê-los por quê? Porque cantavam... Triste cidade!

       Santo Deus! que sejam tristes, soturnas e embezerradas as cidades do extremo Norte da Europa, que uma névoa perpétua amortalha — cousa é que se compreende. A tristeza do céu entristece as almas... Mas que seja melancólica uma cidade como esta, metida no eterno banho da luz do sol — luz que se desfaz em beijos e sorrisos pelas copas das árvores, pelas fachadas das casas, pelos buracos das ruas —, isso é cousa que não se entende!

       Felizmente, agora, o Rio de Janeiro parece sair do seu letargo.

       Voltemos à imagem da casa desabitada. Que alegria, quando, depois de longo luto, abrem-se as janelas do prédio à luz e ao ar, e espanam-se os móveis, e sacodem-se as cortinas, e o piano acorda cantando uma valsa leve, e as crianças se espalham pelos corredores, correndo e chalrando!

      Assim, o Rio de Janeiro, atualmente, nestes dias de festa. Antes da chegada do presidente Rocca,1 a chegada do governador Viana...

       Passeatas, banquetes, espetáculos de gala, corridas — as costureiras trabalhando sem descanso, todo o comércio rejubilando —, uma delícia para todo mundo!

        Ah! quem dera que fosse sempre assim, Sebastianópolis!

      E por que não és tu sempre assim, uma feira franca do riso e do pagode? Talvez porque o nosso temperamento seja realmente mais sujeito à melancolia do que à jovialidade? Não! há quem diga que a nossa tristeza depende exclusivamente da nossa imundície.

       Diz-se que, certa vez, um homem, pouco dado ao uso do banho, sentiu-se atolar no pântano de uma melancolia sem tréguas. Foi consultar um médico, que lhe aconselhou o uso de banhos diários. E logo ao segundo banho o sujeito ficou tão curado, que morreu... de um frouxo de riso.

       O remédio é fácil de experimentar. Mal não fará, com certeza: e é mais que provável que faça bem, e grande bem...

        Ah! quem poderá viver bastante para te ver saneada, ó cidade do Rio de Janeiro? 

      A gente, desde que se entende, ouve dizer que o Brasil só não está hoje inteiramente povoado por causa do flagelo periódico da febre amarela. Sabem isto os governos, sabe isto o povo. Todos os médicos que há sessenta anos saem das nossas faculdades, dizem e escrevem que a causa da febre amarela é a falta de saneamento das cidades. Ninguém ignora que o vômito-negro, por anos e anos, devastou as populações de Galveston, de Filadélfia, de Memphis, de New Orleans, e que dessas cidades desapareceu para sempre — assim que, saneadas e acostumadas à limpeza, elas deixaram de oferecer ao desenvolvimento da epidemia um meio favorável. Torres Homem, Ferreira de Abreu, todos os grandes clínicos do Brasil se têm esbofado em pedir o saneamento — declarando terminantemente que ele é o único meio de combater e aniquilar a pirexia assassina.

      Mas nada se tem feito. Os dias passam, e a gente continua a esperar que as redes aperfeiçoadas de esgotos, as drenagens do solo e os abastecimentos d'água caiam do céu por descuido — como se o céu tivesse algum interesse nisso.

        Agora, parece que o sr. prefeito municipal resolveu meter uma lança em África, pedindo ao conselho que o autorize a abrir largamente os cofres do município em favor da ideia.

       Claro está que isso só pode merecer aplauso. Mas... — forte desgraça é esta! Sempre há de aparecer este mas cruel, esta abominável adversativa que atrapalha tudo! Mas... que ideia é esta de pedir a uma corporação médica que estude mais uma vez o saneamento?

      Ninguém se cansaria ainda em reeditar a bolorenta série dos injustos epigramas com que tem sido crivada a classe dos médicos — desde a prosa de Molière até as desaforadas redondilhas de Bocage. Já se sabe que há no Brasil médicos que são glórias legítimas e incontestáveis desta terra. Mas sabe-se também que entre os médicos brasileiros, e principalmente entre os médicos do Rio de Janeiro, há uma rivalidade feroz, uma luta sem tréguas, uma guerra de morte. 

      Passam-se meses sem que venham a público manifestações desse desacordo profundo: de repente, porém, um alarido cresce nos ares, e, pelas colunas pagas ou não pagas dos jornais, começa a ferver o escândalo, e começam a chocar-se as injúrias, e é um nunca mais acabar de acusações, de doestos, de denúncias, de revelações escabrosas.

       Agora mesmo estamos assistindo a uma dessas batalhas edificantes. A galeria baba-se de gosto, e as empresas dos jornais apanham o melhor do combate, que é o dinheiro dos combatentes. Se à cabeceira de um doente, por causa de uma talha malfeita, ou de um tifo mal combatido, há tão ásperas lutas, que não haverá à cabeceira da cidade, por causa do saneamento?

       Enfim, o que devemos todos fazer é pedir a Deus que ilumine o Concílio, mantendo sobre ele a sua infinita Graça — e pedir aos médicos que economizem palavras, porque não há de ser com elas que a municipalidade saneará o Rio de Janeiro. 

                                                                         (Gazeta de Notícias, 30/7/1899)


“Se à cabeceira de um doente, por causa de uma talha malfeita, ou de um tifo mal combatido,(...)”. Em todas as opçoes o fenômeno da crase se dá pela mesma razão, EXCETO em:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA D

    ? ?Se à cabeceira de um doente, por causa de uma talha malfeita, ou de um tifo mal combatido,(...)? ? temos uma locução adverbial com núcleo feminino, na letra "d" não ocorre isso:

    ? ?...assim que, saneadas e acostumadas à limpeza, elas deixaram de oferecer ...? ? acostumadas a alguma coisa (=preposição "a" + artigo definido "a" que acompanha o substantivo "limpeza"= crase).

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    ? FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Trata-se aqui da aplicação da crase de acordo com os casos especiais, quando da ocorrência de locuções com núcleos substantivos femininos:

    Ex.: à caneta / à gasolina / à tinta / à medida que.

    https://www.qconcursos.com/artigos/uso-da-crase-entenda-o-que-e-como-usar-e-suas-regras?gclid=Cj0KCQjwx7zzBRCcARIsABPRscPvWWKwERjKiZkkrM9A9AcdKr1YJ0gK-pV1o7tcthGzGK-CxqM0xNYaApQLEALw_wcB

  • Existe um obscurantismo nessa questão que me embaça as vistas e não me permite ver esse gabarito como o único válido. "À cabeceira" é locução adverbial e a justificativa para a crase aqui assinalada difere da que a justifica em "voltemos à imagem" e "se recolhiam à casa de amigos", visto que, nesses dois casos expostos, há objeto indireto. Sendo assim, as alternativas A ou B, sem nenhum desrespeito ao pedido do enunciado, poderiam, indiferentemente, ser o gabarito. Ou não compreendi o que a banca queria ou incorreram em erro quanto ao gabarito.

  • a,b,c,e -substantivos D-verbo

  • Concordo @ Shelking!

    Tranquilo que queremos uma locução de base feminina, mas acredito, assim como exposto, que as assertivas A e B trazem motivos diversos..

    A) “... se recolhiam à casa de amigos cantando um coro...”

    Se recolhiam a algum lugar .... ao habitat dos amigos.

    quando "casa" está determinada = crase.

    B) “Voltemos à imagem da casa desabitada.”

    Voltemos ao retrato da casa desabitada..

    Sucesso!

  • COMPLEMENTANDO:

    Principais casos em que não ocorre a crase:

    * Antes de palavra masculina

    * Em locução feminina que indique instrumento (ex: Ela escreveu o texto a caneta)

    * Antes de verbo

    * Entre palavras repetidas que formem uma expressão (ex: cara a cara)

    * Antes de artigo indefinido

    * Quando o A estiver no singular e a palavra posterior estiver no plural

    * Antes dos seguintes pronomes: 

       a) De tratamento (exceções: senhora, senhorita, dona e madame)

       b) Relativos (exceção: à qual, às quais)

       c) Indefinidos (exceção: outra(as))

       d) Demonstrativos (exceções: àquele, àquela, àquilo)

       e) Pessoais

    FONTE: QC

  • resposta da banca ao recurso:

    A questão sobre crase trata da sintaxe do termo: adjuntos adverbiais femininos. Havia um único termo que não era. Por isso a banca resolve INDEFERIR os recursos.  

  • Bem, eu resolvi substituindo a crase por "para".

    “... se recolhiam para a casa de amigos cantando um coro...”

    “Voltemos para a imagem da casa desabitada.”

    "...abrem-se as janelas do prédio para a luz e ao ar...”

    “...assim que, saneadas e acostumadas com a limpeza, elas deixaram de oferecer ...”

    “...abrem o seio, durante o dia, para o sol, e para a noite...”

    Gabarito D

  •  Se à cabeceira de um doente, por causa de uma talha malfeita, ou de um tifo mal combatido, há tão ásperas lutas

    (onde há tão ásperas lutas??? --- à cabeceira..) 

    Adjunto adverbial feminino de lugar.

     

     a)“... se recolhiam à casa de amigos cantando um coro...”   

    se recolhiam onde? Adjunto Adverbial feminino de lugar.

     

     b)“Voltemos à imagem da casa desabitada.”

     voltemos onde? Adjunto Adverbial feminino de lugar.

     

     c)“...abrem-se as janelas do prédio à luz e ao ar...”

     abrem -as como ? Adjunto Adverbial feminino de modo

     

     d)“...assim que, saneadas e acostumadas à limpeza, elas deixaram de oferecer ...”

     acostumadas a alguma coisa: Complemento feminino exigido pelo verbo VTI

     

     e)“...abrem o seio, durante o dia, ao sol, e à noite...”

     abrem o seio quando? Adjunto Adverbial feminino de tempo

  • Questão super mal-elaborada

  • questão tranquila

    basta buscar a unica que funciona como complemento nominal