SóProvas


ID
3475615
Banca
IBADE
Órgão
IDAF-AC
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 1


      Antes que elas cresçam


    Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

    É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

    Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

    Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

    Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

   Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

   Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

    Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

    Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

    Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, pôsteres e agendas coloridas de Pilot. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

     Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

     No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

    O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.

     Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.



Affonso Romano de Sant´ Anna (Fonte: http://www.releituras.com/arsant_antes.asp, acesso em janeiro de 2020.) 




Texto 2


POEMA ENJOADINHO


Filhos... Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-lo?

Se não os temos

Que de consulta

Quanto silêncio

Como o queremos!

Banho de mar

Diz que é um porrete...

Cônjuge voa

Transpõe o espaço

Engole água

Fica salgada

Se iodifica

Depois, que boa

Que morenaço

Que a esposa fica!

Resultado: filho,

E então começa

A aporrinhação:

Cocô está branco

Cocô está preto

Bebe amoníaco

Comeu botão. F

ilhos? Filhos.

Melhor não tê-los

Noite de insônia

Cãs prematuros

Prantos convulsos

Meu Deus, salvai-o!

Filhos são o demo

Melhor não tê-los...

Mas se não os temos

Como sabê-los?

Como saber

Que macieza

Nos seus cabelos

Que cheiro morno

Na sua carne

Que gosto doce

Na sua boca!

Chupam gilete

Bebem xampu

Ateiam fogo

No quarteirão

Porém, que coisa

Que coisa louca

Que coisa linda

Que os filhos são!


(Fonte: Vinícius de Moraes. Poesia completa & prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1987. p. 261-2.)

Os Textos 1 e 2, mesmo pertencendo a gêneros diferentes, respectivamente crônica e poesia, trazem em comum:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA A

    ? No final do poema (texto 2) percebemos claramente o valor otimista representado: Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são!

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    ? FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • Gab: A

    >> O texto 1 retrata com certa melancolia o momento em que os filhos vão ganhando independência e "saindo debaixo das asas dos pais", através de um resgate de memórias sobre a beleza dos momentos da infância e dos momentos de transição para a vida adulta;

    >> O texto 2, ao final, também traz o mesmo sentimento de deslumbramento diante da paternidade ao dizer "Que coisa linda que os filhos são!"

  • Fiquei emocionada com o texto, desculpem o desabafo, tenho um filho de 2 anos rs

  • Fiquei emocionado com os textos..., mas pensando porque o examinador põe um texxxxxxxxxxxtão assim...

  • Gabarito A.

    Me perderia em um texto desse no dia da prova....lendo, ri, chorei e ao final devaneei, e só depois de minutos pensei: "ops! é pra fazer a questão!! " :/

  • Diz o que tem em comum ? porém não consegui enxergar critica no texto 2

  • Que texto genial, me emocionei!!!

  • No Texto 1 : Vemos a ideia de que os filhos com o passar do tempo acabam perdendo um pouco do vínculo com os país ',e que por conta disto os pais devem aproveitar todas as fases da sua infância , ainda que nunca se possa se aproveitar por completo : ''  É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

      Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente''

    Já no texto 2 , vemos o desenvolvimento do raciocínio de que se é bom ou não ter filhos , e o poema vai fazendo uma digressão das ideias , de formar um contexto temporal histórico de desenvolvimento dos filhos

    GAB ; A - Ambos são melancolicos , porém chegam a mesma ideia

  • Emocionante, Q C fazendo eu chorar, dar uma pausa e um abraço profundo no meu filho.

  • Textos imensos mas que bom que decidi enfrentá-los. Ótimos!

  • Só eu que chorei com esses textos?

    UAU!!

  • Essa questão respondi lendo e refletindo apenas sobre os títulos dos textos.

  • Texto formidável!!! PQP!

  • Desculpa gente. Aqui é lugar de estudar e somar. Mas, eu me vi no texto, tenho uma menina de 13 anos e está uma moça... linda como a mãe. Até pouco tempo ela gostava de ver Princesa Sophia, agora a minha Sophia cresceu, e... eu desperdicei tanto carinho, reprimi beijos e abraços. Tanto tempo dentro de um quarto lutando por uma vaga...

  • O que eu consegui ver em comum nos dois textos são o pessimismo frente à missão de ser pais conforme retratado na alternativa "B". Me corrijam se estiver errado.

    Obs: tenho duas filhas e também me sensibilizei com os dois textos, principalmente o primeiro. Hoje vivemos com elas mas dói um pouco o coração ao saber qua daqui há algum tempo elas seguirão as suas vidas. O que nos resta como pais é oferecer a educação suficiente para que elas possam fazer as boas escolhas no futuro. Que Deus abençoe todos os pais estudantes deste curso.

  • Jefferson, provavelmente você está confundindo "pessimismo" com uma perspectiva crítica genuína. O pessimismo necessita do seu emissor um julgamento, uma inferência derrotista ou mesmo cética baseada nos fatos, mas sem necessidade de se ater a eles. No criticismo nós temos a necessidade de expressar a narrativa tal como ela é, embora seja possível demonstrar uma certa tendencia a salientar um ponto ou outro, como acontece nos dois escritos, ele sempre será fiel a realidade que se apresenta. Temos então a B como correta, pois apesar de situar a realidade critica - que de fato se mostra por vezes negativa- eles expõem, diria até que transbordam, o amor e a satisfação em ser pai.

    Obs: Acredito que todo o panorama "negativo" da paternidade exposto nos textos se caracteriza como o principal ponto de apoio que alavanca no leitor essa sensação de júbilo, alvejando inclusive aqueles que não são pais.

  • Esse texto realmente é demais.

  • Sei que não é tempo p/ isso mas amei o texto!

  • Mesmo diante dos problemas , vale a pena ter filhos.

    Felizmente, ambos os texto acabam mexendo com quem já tem filho(a)(s)

    Letra A

    Ainda vale a pena estudar para concursos

    https://www.youtube.com/watch?v=oFe049GkADs

  • Me fez refletir sobre a vida , tanto os comentários quanto o texto. Que Deus nos abençoe nessa trajetória árdua que é estudar para concursos. Que Deus nos dê sabedoria para poder dedicar tempo aos nossos filhos e a nossa família.

  • amei o texto.

  • Eu me arrepiei durante a leitura do texto e dos comentários!

    Lindo demais!!!

  • Ja que todos estão desabafando! estou feliz em perceber que minha escolha por não ter filhos foi certa! foi mal ai, respeito, mas paternidade/maternidade não é só coisa boa e eu não quero isso pra mim! seguimos