SóProvas


ID
3491971
Banca
Instituto Consulplan
Órgão
Prefeitura de Suzano - SP
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Estilos da vida


      Você se lembra daqueles personagens de quadrinhos que são impiedosamente seguidos por uma nuvem preta, que é uma espécie de guarda-chuva ao contrário? Eles não têm para onde fugir: deslocam-se, mas a chuva os persegue, mesmo debaixo do teto de sua casa.

      Claro, no outro extremo do leque há pessoas que são seguidas por um sol esplendoroso, mesmo quando estão no escuro ou no meio de um desastre que deveria empalidecer a luz do dia (se ela tivesse vergonha na cara).

      Em suma, cada um de nós parece estar sempre numa condição meteorológica que lhe é própria e não depende nem da estação nem dos acontecimentos do momento. [...]

      Talvez sejamos um pouco mais livres para escolher o estilo da vida que levaremos, seja qual for nosso pano de fundo.

      Geralmente, por estilo DE vida, entende-se um modelo que a gente imita para construir uma identidade e propô-la aos olhos dos outros. Mas o estilo DA vida, que é o que me interessa hoje, é outra coisa: é a forma literária na qual cada um narra sua própria vida, para si mesmo e para os outros. Um exemplo.

      Acabo de ler (e continuarei relendo por um bom tempo) “The Book of Dreams” (o livro dos sonhos), de Federico Fellini (ed. Rizzoli). São mais de 400 páginas, em grande formato, que reproduzem fotograficamente os cadernos nos quais o diretor italiano registrou seus sonhos, em palavras e desenhos, de 1960 a 1968 e de 1973 a 1990 (ele morreu em 1993). [...]

      Vários amigos que me viram ler o livro me perguntaram se, então, os sonhos de Fellini serviam de material para seus filmes. A questão não cabe. O que o livro revela é que, para Fellini, o sonho era, por assim dizer, o gênero literário no qual ele vivia (e portanto contava) sua vida – nos cadernos da mesa de cabeceira, nos filmes e no dia a dia.

      Cuidado. Fellini não especulava nem um pouco sobre, sei lá, a “precariedade” de nossa percepção, que pode confundir sonho com realidade. Ele nunca se perguntava se o que estava vivendo era sonho ou realidade, porque, para ele, o sonho era, propriamente, o estilo da realidade.

      Esse estilo era o que fazia com que seu olhar estivesse constantemente maravilhado ou atônito: graças a esse estilo, ele atravessava (e contava) a vida como “um mistério entre mistérios” (palavras dele). Pois bem, nós todos adotamos ou inventamos um estilo singular para a história de nossa vida – é o estilo graças ao qual nossa vida se transforma numa história.

      Cada um escolhe, provavelmente, o estilo narrativo que torna sua vida mais digna de ser vivida (e contada). Há estilos meditativos, investigativos, introspectivos, paranoicos ou, como no caso de Fellini, oníricos e mágicos.

      Quanto a mim, o estilo narrativo da minha vida é, sem dúvida, a aventura. Não só pelos livros que me seduziram na infância (“Coração das Trevas”, de Conrad, seria o primeiro da lista). Mas porque a narrativa aventurosa sempre foi o que fez que minha vida valesse a pena, ou seja, não fosse chata, mesmo quando tinha toda razão para ser.

      Quando meu filho, aos quatro ou cinco anos, parecia se entediar, eu sempre recorria a um truque, que ele reconhecia como truque, mas que funcionava. Eu me calava e me imobilizava de repente, como se estivesse ouvindo um barulho suspeito e inquietante; logo eu sussurrava: “Atenção! Os piratas!”.

      Nem ele nem eu acreditávamos na chegada dos piratas, mas ambos achávamos que a vida merecia um pouco de suspense.

(CALLIGARIS, Contardo. Folha de S. Paulo, 21 abr. 2001. Adaptado.)

De acordo com a modalização utilizada, ou seja, a expressão das intenções e pontos de vista do enunciador, assinale a alternativa em que está correta a correspondência entre o destacado e o sentido indicado.

Alternativas
Comentários
  • B)Talvez sejamos um pouco mais livres [...]”/ Suposição.

    O termo em destaque é um advérbio com valor de possibilidade, suposição.

    GABARITO. B

  • GABARITO: LETRA B

     a) “Claro, no outro extremo [...]” / Sugestão → incorreto, expressa afirmação, convicção.
     b) “Talvez sejamos um pouco mais livres [...]”/ Suposição → correto, expressa suposição, dúvida, hipótese.
     c) “Cada um de nós parece estar sempre [...]”/ Necessidade → incorreto, expressa dúvida.
     d) “Cada um escolhe, provavelmente [...]” / Convicção pessoal abdicada pelo enunciador → incorreto, possibilidade, dúvida.

    ☛ FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • A questão aborda o assunto de semântica. O enunciado pede para que se encontre a palavra que se relacione com o sentido da palavra deixada após a barra. Vejamos:

    a) A palavra "clara" na frase a qual se encontra poderia ser facilmente trocada por um advérbio de afirmação ( claramente, certamente...), portanto é errado afirmar que passa ideia de sugestão. INCORRETA.

    b) O advérbio de dúvida "talvez" anteposto a um verbo no subjuntivo (SEJAMOS) gera um sentido sugestivo. CORRETA.

    c) O verbo auxiliar "parece" faz com que a locução gere um sentido de incerteza a sua semântica. INCORRETA.

    d) O advérbio sublinhado (POSSIVELMENTE) gera um situação de algo incerto. INCORRETA

    GABARITO B