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ID
3496492
Banca
IBADE
Órgão
SEJUDH - MT
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O PASTEL E A CRISE

Otto Lara Resende


      Quando a crise convida ao pessimismo ou a ameaça descamba na depressão, está na hora de ler poesia ou prosa, tanto faz.

      A partir de certa altura, bom mesmo é reler. Reler sobretudo o que nunca se leu, como repeti outro dia a um amigo que não é chegado à leitura. Ele mergulhou no Proust sem escafandro e se sente mal quando vem à tona e respira o ar poluído aqui de fora.

      Verdadeiro sábio era o Rubem Braga. Tinha com a vida uma relação direta, sem intermediação intelectual. Houvesse o que houvesse, trazia no coração uma medida de equilíbrio que era um dom de nascença, mas era também fruto do aprendizado que só a experiência dá. No pequeno mundo do cotidiano, sabia como ninguém identificar as boas coisas da vida. E assim viveu até o último instante.

      Certa vez, no auge de uma crise, crivada de discursos e de diagnósticos, o Rubem estava de olho nas frutas da estação. Madrugador, cedinho já sabia das coisas. Quando o largo horizonte nacional andava borrascoso, ele se punha a par das nuvens negras, mas não mantinha o olhar fixo no pé-direito alto da crise. Baixava o olhar ao rodapé, pois o sabor do Brasil está também no rés-do-chão.

      Num dia de greve geral, inquietações no ar, tudo fechado, o Rubem me telefonou: “Vamos ao bar Luís, na rua da Carioca? Vamos ver a crise de perto”. E lá fomos. O bar estava aberto e o chope, esplêndido. Começamos por um preto duplo, que a sede era forte. Depois mais um, agora louro. Claro que não faltou o salsichão com bastante mostarda. Calados, mas vorazes, cumpríamos um rito. Alguém por perto disse que a Vila Militar tinha descido com os tanques.

      Saímos dali e fomos a um sebo. O Rubem comprou “Xanã”, do Carlos Lacerda, com dedicatória. Depois pegamos o carro e voltamos pelo Aterro, onde se pode exercer o direito da livre eructação. Tinha sido um perfeito programa cultural. E sem nenhum incentivo do governo. Vi agora na televisão que o maracujá está em baixa e me lembrei do velho Braga.

      Nem tudo está perdido. Fui à feira e comprei também dois suculentos abacaxis. Caem bem nesta hora de atribulação nacional. Só falta agora descobrir um bom pastel de palmito na Zona Norte. Se o Rubem estivesse aí, lá iríamos nós atrás da deleitosa descoberta . Depois, de cabeça erguida , enfrentaríamos a crise e até o caos.

(RESENDE, O. Lara. Fonte: https://edoc.site/149572393-as-cem-melhores-cronicas-brasileiras-011-gpdf-pdf-free.html)

Atendendo à recomendação do enunciador, o amigo, que não era chegado à leitura, “...mergulhou no Proust sem escafandro e se sente mal quando vem à tona e respira o ar poluído aqui de fora.” (§ 2). Isto é, o amigo:

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: LETRA B

    →  “...mergulhou no Proust sem escafandro e se sente mal quando vem à tona e respira o ar poluído aqui de fora." (§ 2)

    → Temos o uso de uma metonímia, troca do todo (autor → Proust) por sua obra; apresenta-se a ideia de que o amigo passou a ler sem limites, com muita vontade, quando retorna ao mundo real sente-se mal.

    FORÇA, GUERREIROS(AS)!! 

  • Pensei na seguinte relação:

    “...mergulhou no Proust sem escafandro e se sente mal quando vem à tona e respira o ar poluído aqui de fora.” (§ 2)

    Logo, a alternativa correta deveria ter dois elementos:

    1) A relação do leitor com o livro;

    2) Como o leitor se sentia em contato com o mundo real.

    Reparem que nas outras alternativas só fala da leitura, mas não têm como o leitor se sente com relação ao mundo em que vive.

    Espero ter ajudado : )

  • Ibade sempre cobra interpretação de textos, além das horas de estudo, temos que complementar com boas leituras.

  • escafandro - essa palavra só me faz lembrar Chico Buarque