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ID
3800512
Banca
UFRR
Órgão
UFRR
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto abaixo e responda a questão.


TEXTO II

UM APÓLOGO


   Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
     — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
     — Deixe-me, senhora.
    — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
     — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
     — Mas você é orgulhosa.
     — Decerto que sou.
     — Mas por quê?
    — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
     — Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
    — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
    — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
    — Também os batedores vão adiante do imperador.
    — Você é imperador?
    — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... 
   Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
    — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
   A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plicplic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
   Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
     — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
   Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
   Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
     — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

ASSIS, Machado de. Para Gostar de Ler - Volume 9 – Contos. São Paulo: Ática, 1984.

A narrativa traz seres inanimados e personagens humanos desempenhando, paralelamente, comportamentos sociais semelhantes. Sobre essa analogia só NÃO se pode afirmar que:

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