O mato do Mutúm é um enorme mundo preto, que
nasce dos buracões e sobe a serra. O guará-lobo trota
a vago no campo. As pessôas mais velhas são inimigas
dos meninos. Soltam e estumam cachorros, para ir
matar os bichinhos assustados — o tatú que se agarra
no chão dando guinchos suplicantes, os macacos que
fazem artes, o coelho que mesmo até quando dorme
todo-tempo sonha que está sendo perseguido. O tatú
levanta as mãozinhas cruzadas, ele não sabe — e os
cachorros estão rasgando o sangue dele, e ele pega a
sororocar. O tamanduá. Tamanduá passeia no cerrado,
na beira do capoeirão. Ele conhece as árvores, abraça
as árvores. Nenhum nem pode rezar, triste é o gemido
deles campeando socôrro. Todo choro suplicando por
socôrro é feito para Nossa Senhora, como quem diz
a salve-rainha. Tem uma Nossa Senhora velhinha. Os
homens, pé-ante-pé, indo a peitavento, cercaram o
casal de tamanduás, encantoados contra o barranco,
o casal de tamanduás estavam dormindo. Os homens
empurraram com a vara de ferrão, com pancada bruta,
o tamanduá que se acordava. Deu som surdo, no corpo
do bicho, quando bateram, o tamanduá caiu pra lá, como
um colchão velho.
ROSA, G. Noites do sertão (Corpo de baile).
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
Na obra de Guimarães Rosa, destaca-se o aspecto
afetivo no contorno da paisagem dos sertões mineiros.
Nesse fragmento, o narrador empresta à cena uma
expressividade apoiada na