“Tudo aquilo que foi meu lastro, terra onde tinha fincado
os pés, tudo se transformou num jogo fácil de adivinhas. O
que era milagrosa descida dos santos reduziu-se a um estado
de transe que qualquer calouro da Faculdade analisa e expõe.
Para mim, professor, só existe a matéria. Nem por isso deixo
de ir ao terreiro e de exercer as funções de meu posto de
Ojuobá, cumprir meu compromisso. Não me limito como o
senhor que tem medo do que os outros possam pensar, tem
medo de diminuir o tamanho de seu materialismo.
— Sou coerente, você não é!, explodiu Fraga Neto, Se
não acredita mais, não acha desonesto praticar uma farsa,
como se acreditasse?
— Não. Primeiro, como já lhe disse, gosto de dançar e
de cantar, gosto de festa, antes de tudo de festa de
candomblé. Ademais, há o seguinte: estamos numa luta, cruel
e dura. Veja com que violência querem destruir tudo que nós,
negros e mulatos, possuímos, nossos bens, nossa fisionomia.
Ainda há pouco tempo, com o delegado Pedrito, ir a
candomblé era um perigo, o cidadão arriscava a liberdade e
até a vida (…) O senhor pensa que, seu eu fosse discutir
com o delegado Pedrito, como estou discutindo com o senhor,
teria obtido algum resultado? Se eu houvesse proclamado meu materialismo, largo de mão o candomblé, dito que tudo aquilo não passava de um brinquedo de criança, resultado do medo
primitivo, da ignorância e da miséria, a quem eu ajudaria? Eu ajudaria, professor, ao delegado Pedrito e sua malta de facínoras,
ajudaria a acabar com uma festa do povo. Prefiro continuar a ir ao candomblé, ademais gosto de ir, adoro puxar cantiga e dançar
em frente aos atabaques.
— Assim, mestre Pedro, você não ajuda a modificar a sociedade, não transforma o mundo.
— Será que não? Eu penso que os orixás são um bem do povo. A luta da capoeira, o samba-de-roda, os afoxés, os
atabaques, os berimbaus são bens do povo. Todas essas coisas e muitas outras que o senhor, com seu pensamento estreito,
quer acabar, professor, igualzinho ao delegado Pedrito, me desculpe lhe dizer. Meu materialismo não me limita…”
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. Disponível em: < https://armonte.wordpress.com/2012/11/20/jorge-amado-em-estado-de-graca-tendados-milagres/> . Acesso em: 13 nov. 2018.
O trecho destacado expõe uma oposição de ideias entre suas personagens.
A alternativa que melhor explica esse conflito é