Mamãe, quando ela disse a seus pais que ia se casar
comigo, eles se revoltaram:
Todo baiano é negro.
Todo baiano é pobre.
Todo baiano é veado.
Todo baiano acaba largando a mulher e os filhos para
voltar para a Bahia.
Mas nós nos casamos mesmo assim. Tivemos dois
filhos (um dia ainda lhe mando um retrato de seus netos).
Depois ela fugiu com Zé do Pistom e levou os meus
filhos.
Zé está me matando. Eles estão me matando. Devem
ser uma dúzia de homens, fardados e armados. Aqui, no
meio da rua. Na grande capital.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Cresce logo, menino, para você ir para São Paulo.
Aqui vivi e morri um pouco todos os dias.
No meio da fumaça, no meio do dinheiro.
Não sei se fico ou se volto.
Não sei se estou em São Paulo ou no Junco.
— Levanta, corno.
Eles me mandam dançar um xaxado. Não posso, não
aguento, não suporto. Voltaram a me bater.
O homem na janela deve ter saído da janela. Apagou a
luz, desapareceu, foi dormir.
São Paulo é uma cidade deserta.
Outra pancada e esqueci de tudo.
TORRES, Antônio. Essa Terra. 21. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
p. 62-63.
Considerando-se a leitura global da obra “Essa Terra”, o
fragmento em destaque evidencia