- ID
- 3862261
- Banca
- FEPESE
- Órgão
- Prefeitura de Concórdia - SC
- Ano
- 2018
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Texto 1 O conceito de língua
Língua é um conceito inalcançável por critérios
apenas linguísticos. Falantes de diferentes variedades
se reconhecem, por razões históricas, socioculturais e
políticas, como falantes da mesma língua, ainda que
haja poucas semelhanças léxico-gramaticais entre
as variedades e, em certas situações, não haja sequer
mútua inteligibilidade, como no caso dos falantes de
chinês; ou dos falantes do iraquiano e do marroquino
que se consideram todos falantes de árabe.
A língua “comum”, a que se dá um nome singular (português ou a língua portuguesa, por exemplo), é, de
fato, um ente construído pelo imaginário social que,
por um complexo entrelaçamento de fatores históricos, políticos e socioculturais, idealiza um objeto uno
onde não há, efetivamente, unidade. O imaginário
social se utiliza de uma rede conceitual para manter
essa idealização em pé. Um dos mecanismos operativos aí presentes é confundir uma determinada variedade com a própria língua – é a chamada ideologia
da língua-padrão/norma-padrão (cf. Milroy, 2011). Ao
identificar a língua exclusivamente com as formas
padronizadas, esse modelo ideológico desqualifica a
heterogeneidade linguística e os processos de variação e mudança.
Do ponto de vista estritamente linguístico, a realidade
recortada e identificada como uma língua é constituída por um conjunto de variedades, de normas, de
gramáticas. Se não perdermos de vista essa perspectiva da heterogeneidade intrínseca do que chamamos
de língua, podemos, em princípio, continuar a usar,
por razões práticas, esse termo e suas designações
singulares. Dizer isso não implica afirmar que a constituição e o funcionamento sociocultural do ente língua
não sejam relevantes.
Destrinçar o emaranhado de critérios culturais e políticos que historicamente dá forma ao conceito imaginário de língua, assim como explicar seu funcionamento sociocultural constituem tarefas da Linguística.
Nesse caso, os linguistas não podem trabalhar de
forma isolada. Precisam se associar aos historiadores,
antropólogos, sociólogos e psicólogos sociais. Só uma
investigação multidisciplinar pode esclarecer essa
intrincada questão.
FARACO, Carlos Alberto; ZILLES, Ana Maria. Para conhecer norma
linguística. São Paulo: Contexto, 2017. p. 29-31. Adaptado.
Texto 2 O que é uma língua?
A escola e, em geral, o consenso da sociedade ainda se
ressentem das heranças deixadas por uma perspectiva
de estudo do fenômeno linguístico cujo objeto de
exploração era a língua enquanto conjunto potencial
de signos, desvinculada de suas condições de uso e
centrada na palavra e na frase isoladas. Nessa visão
reduzida de língua, o foco das atenções se restringia
ao domínio da morfossintaxe, com ênfase no rol das
classificações e de suas respectivas nomenclaturas. Os
efeitos de sentido pretendidos pelos interlocutores e
as finalidades comunicativas presumidas para os eventos verbais quase nada importavam. Mas a integração
da Linguística com outras ciências e a abertura das
pesquisas sobre os fatos da linguagem a perspectivas
mais amplas provocaram o paulatino surgimento de
novas concepções.
A língua, por um lado, é provida de uma dimensão
imanente, aquela própria do sistema em si mesmo,
algo pronto para ser ativado pelos sujeitos, quando
necessário. Por outro lado, a língua comporta a dimensão de sistema em uso, de sistema preso à realidade
histórico-social do povo. Pela ótica dessa última
dimensão, a língua passa a definir-se como um fenômeno social, como uma prática de atuação interativa,
dependente da cultura de seus usuários, no sentido
amplo da palavra. Assim, a língua assume um caráter
político, um caráter histórico e sociocultural, que ultrapassa em muito o conjunto de suas determinações
internas, ainda que consistentes e sistemáticas. Dessa
forma, todas as questões que envolvem o uso da língua não podem ser resolvidas somente com um livro
de gramática ou à luz do que prescrevem os comandos de alguns manuais de redação.
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São
Paulo: Parábola, 2009. p.20-21. Adaptado.
Texto 3 Sexa
– Pai…
– Hmmm?
– Como é o feminino de sexo?
– O quê?
– O feminino de sexo.
– Não tem.
– Sexo não tem feminino?
– Não.
– Só tem sexo masculino?
– É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino.
– E como é o feminino de sexo?
– Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
– Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino.
– O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
– Não devia ser “a sexa”?
– Não.
– Por que não?
– Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino.
– O sexo da mulher é masculino?
– É. Não! O sexo da mulher é feminino.
– E como é o feminino?
– Sexo mesmo. Igual ao do homem.
– O sexo da mulher é igual ao do homem?
– É. Quer dizer… Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?
– Certo.
– São duas coisas diferentes.
– Então como é o feminino de sexo?
– É igual ao masculino.
– Mas não são diferentes?
– Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra.
– Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
– A palavra é masculina.
– Não. “A palavra” é feminino. Se fosse masculina seria “o pal…”
– Chega! Vai brincar, vai.
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
– Temos que ficar de olho nesse guri…
– Por quê?
– Ele só pensa em gramática.
VERISSIMO, Luis Fernando. Sexa. In Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 53-54.
Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V )
e as falsas ( F ), em consonância com os textos 1, 2 e 3.
( ) A questão gramatical envolvida no texto 3
faz parte do domínio da “morfossintaxe” e de
aspectos “lexicais”, mencionados, respectivamente, nos textos 1 e 2.
( ) O texto de Verissimo pode ser visto como
ilustrativo da seguinte passagem: “as questões
que envolvem o uso da língua não podem ser
resolvidas somente com um livro de gramática” (texto 2).
( ) A preocupação dos autores com regras gramaticais com vistas ao uso correto da língua
está presente nos três textos.
( ) Os textos apresentam características distintas:
os dois primeiros são exemplares da linguagem escrita e o terceiro apresenta elementos
que são típicos da linguagem falada.
( ) A questão do gênero gramatical (texto 3)
faz parte da “norma-padrão” (texto 1), mas
não tem relação com os “efeitos de sentido
pretendidos pelos interlocutores” (texto 2).
Assinale a alternativa que indica a sequência correta,
de cima para baixo.