SóProvas


ID
3877555
Banca
FUMARC
Órgão
Prefeitura de Matozinhos - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

DÉMODÉ*
Mário Viana

    Na próxima faxina, vai ser preciso empurrar para o fundo do armário os barquinhos de maionese, os picles espetados no repolho e as taças de coquetel de camarão. Com jeitinho, também cabem o bilboquê e o ioiô que apitava. É necessário espaço para acomodar tudo aquilo que sai de moda. Por exemplo: as expressões “com licença”, “por favor” e “obrigado” estão, todas, caindo no mais completo desuso, feito uma calça de Tergal ou uma camisa Volta ao Mundo.
    Atualmente, gentileza só gera gentileza em fotinho de rede social. Na real, o que vale de verdade é a versão urbana da lei da selva. Incontáveis vezes, sou pego de surpresa na sala do cinema ou do teatro por uma pessoa plantada de pé, ao meu lado, esperando que eu abra caminho para sua passagem. Eu cedo e ela passa, sem emitir um som. Faz sentido: se não pede licença, a criatura não sabe agradecer. Nos ônibus e metrôs também há o bônus da mochila, cada vez maior e mais pesada. Deduzo que todas elas são recheadas de livros, cadernos, pares de tênis, roupa de frio, marmita, duas melancias, um bote inflável (nunca se sabe quando a chuva vem) e, desconfio ainda, o corpo embalsamado do bicho de estimação. Só isso explica a corcova sólida e intransponível que bloqueia corredores a qualquer hora do dia ou da noite. Nem adianta apelar para a antiga fórmula do “com licença”. Ela perdeu o significado.
    Outro item fadado à vala comum dos esquecidos é a letra R, usada no final de algumas palavras para significar o infinitivo de um verbo. Fazer, beijar, gostar, perder, seguir — você sabe que são verbos justamente por causa da última letra. Pois não é que as redes sociais, mancomunadas com a baixa qualidade do ensino, estão aniquilando a função do R? No Twitter, é um verdadeiro festival de “vou faze bolo pq o Zé vem me visita”.
    Para decifrar alguns posts — marcados também pela absoluta ausência de vírgulas, acentos e pontos —, é preciso anos de estágio nos livros de José Saramago e Valter Hugo Mãe. Apegar-se à ortografia tradicional é perda de tempo e beira a caretice reclamar. Uma vez, corrigi alguém no Twitter e fui espinafrado até a última geração. “O Twitter é meu e eu escrevo do jeito que quise” — sem o R, claro. Não se trata de ataque nostálgico. O tempo dos objetos passa, a língua tem lá sua dinâmica e até mesmo as fórmulas de etiqueta mudam conforme o tempo ou o lugar — até hoje, os chineses arrotam para mostrar que gostaram da refeição. Mas prefiro acreditar que um pouco de gentileza sem pedantismo nunca vai fazer mal a ninguém.
    Escrever certo deveria ser princípio fundamental para quem gosta de se comunicar. Ironicamente, nunca se escreveu tanto no mundo: nas ruas, salas de espera, ônibus, em qualquer lugar, há sempre alguém mandando um torpedo no seu smartphone do último tipo. Às vezes, chego ao fim do dia exausto de ter “conversado” com gente do mundo inteiro. Espantado, eu me dou conta de não ter aberto a boca. Foi tudo por escrito — e-mail, post, Twitter, torpedo. Se isso acontecer com você, faça como eu: cante alto, solte um palavrão, fale qualquer coisa sem sentido, principalmente se estiver sozinho em casa. Apenas ouça o som que sai da sua garganta. Impeça que sua voz, feia ou bonita, vire um item fora de moda.

Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cultura-lazer/cronica-demode-mario-viana/ Acesso em: 13 set. 2018. 

*Démodé: fora de moda

O propósito do texto é, EXCETO:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: A

     Apresentar como a rede social propicia a evolução da Língua Portuguesa, criando novas palavras. 

    ➥ INCORRETO. O texto apresenta a ideia que as redes sociais acabam por agredir a língua portuguesa e a afetam: Outro item fadado à vala comum dos esquecidos é a letra R, usada no final de algumas palavras para significar o infinitivo de um verbo. Fazer, beijar, gostar, perder, seguir — você sabe que são verbos justamente por causa da última letra. Pois não é que as redes sociais, mancomunadas com a baixa qualidade do ensino, estão aniquilando a função do R? No Twitter, é um verdadeiro festival de “vou faze bolo pq o Zé vem me visita”.

    ➥ FORÇA, GUERREIROS(AS)!!

  • A questão é sobre interpretação de textos e quer saber qual das alternativas abaixo NÃO podemos inferir do texto. Vejamos:

     

    A) Apresentar como a rede social propicia a evolução da Língua Portuguesa, criando novas palavras.

    Errado, o texto mostra justamente o contrário, não há evolução, mas, sim, retrocesso, como pode ser visto em "Pois não é que as redes sociais, mancomunadas com a baixa qualidade do ensino, estão aniquilando a função do R? No Twitter, é um verdadeiro festival de “vou faze bolo pq o Zé vem me visita”."

     

    B) Constatar a necessidade de se conversar por meio da voz para que esta não vire um item fora de moda.

    Certo, como podemos ver em "Apenas ouça o som que sai da sua garganta. Impeça que sua voz, feia ou bonita, vire um item fora de moda."

     

    C) Demonstrar a falta de civilidade dos habitantes das grandes cidades.

    Certo, como podemos ver em "Uma vez, corrigi alguém no Twitter e fui espinafrado até a última geração. “O Twitter é meu e eu escrevo do jeito que quise” — sem o R, claro."

     

    D) Mostrar o que está se tornando ultrapassado em relação à Língua Portuguesa.

    Certo, como podemos ver em "Outro item fadado à vala comum dos esquecidos é a letra R, usada no final de algumas palavras para significar o infinitivo de um verbo. Fazer, beijar, gostar, perder, seguir — você sabe que são verbos justamente por causa da última letra."

     

    Gabarito: Letra A

  • a) Apresentar como a rede social propicia a evolução da Língua Portuguesa, criando novas palavras. O texto mostra, pelo contrário, como a Língua Portuguesa está regredindo, tornando-se arcaica na mão dos internautas — sendo mutilada.

  • Gabarito A: INCORRETO. O texto mostra o retrocesso da língua portuguesa por consequência das redes sociais.

  • Discordo do gabarito. É um erro comum atribuir o significado da palavra "evolução" a sair de algo ruim para algo melhor.

    Não. Evolução é sair do ponto A para o ponto B. Até mesmo no sentido biológico, que inaugurou a etimologia moderna dessa palavra, evolução quer dizer adaptar, modificar, variar. Evoluir, nesse sentido, não implica necessariamente melhorar (embora isso eventualmente ocorra), mas sim mudar.

    Isso é exatamente o que ocorre com as palavras no infinitivo no texto.

    A) Apresentar como a rede social propicia a evolução da Língua Portuguesa, criando novas palavras.

    Sim, podemos observar que um dos propósitos do texto, em evidência no 3 e 4 parágrafos, é apresentar a forma como as redes sociais estão alterando palavras. É evidente a intenção do autor em demonstrar/apresentar como essas palavras estão evoluindo e se adaptando a um meio mais veloz, frio e pouco gentil. Essa evolução gera novas palavras, para o desagrado do autor, claramente um saudosista.

    Felizmente estou pegando o jeito dessa banca e consegui acertar mesmo sem nenhum gabarito correto. Pra lidar com a FUMARC tem que fazer isso. A banca viaja muito.

  • Para mim, entre a A e a B, seria a B, ja que ele nao falou sobre a necessidade de conversar e sim cantar e falar alto. Mas quem sou eu na fila do pao...