SóProvas


ID
3877567
Banca
FUMARC
Órgão
Prefeitura de Matozinhos - MG
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

DÉMODÉ*
Mário Viana

    Na próxima faxina, vai ser preciso empurrar para o fundo do armário os barquinhos de maionese, os picles espetados no repolho e as taças de coquetel de camarão. Com jeitinho, também cabem o bilboquê e o ioiô que apitava. É necessário espaço para acomodar tudo aquilo que sai de moda. Por exemplo: as expressões “com licença”, “por favor” e “obrigado” estão, todas, caindo no mais completo desuso, feito uma calça de Tergal ou uma camisa Volta ao Mundo.
    Atualmente, gentileza só gera gentileza em fotinho de rede social. Na real, o que vale de verdade é a versão urbana da lei da selva. Incontáveis vezes, sou pego de surpresa na sala do cinema ou do teatro por uma pessoa plantada de pé, ao meu lado, esperando que eu abra caminho para sua passagem. Eu cedo e ela passa, sem emitir um som. Faz sentido: se não pede licença, a criatura não sabe agradecer. Nos ônibus e metrôs também há o bônus da mochila, cada vez maior e mais pesada. Deduzo que todas elas são recheadas de livros, cadernos, pares de tênis, roupa de frio, marmita, duas melancias, um bote inflável (nunca se sabe quando a chuva vem) e, desconfio ainda, o corpo embalsamado do bicho de estimação. Só isso explica a corcova sólida e intransponível que bloqueia corredores a qualquer hora do dia ou da noite. Nem adianta apelar para a antiga fórmula do “com licença”. Ela perdeu o significado.
    Outro item fadado à vala comum dos esquecidos é a letra R, usada no final de algumas palavras para significar o infinitivo de um verbo. Fazer, beijar, gostar, perder, seguir — você sabe que são verbos justamente por causa da última letra. Pois não é que as redes sociais, mancomunadas com a baixa qualidade do ensino, estão aniquilando a função do R? No Twitter, é um verdadeiro festival de “vou faze bolo pq o Zé vem me visita”.
    Para decifrar alguns posts — marcados também pela absoluta ausência de vírgulas, acentos e pontos —, é preciso anos de estágio nos livros de José Saramago e Valter Hugo Mãe. Apegar-se à ortografia tradicional é perda de tempo e beira a caretice reclamar. Uma vez, corrigi alguém no Twitter e fui espinafrado até a última geração. “O Twitter é meu e eu escrevo do jeito que quise” — sem o R, claro. Não se trata de ataque nostálgico. O tempo dos objetos passa, a língua tem lá sua dinâmica e até mesmo as fórmulas de etiqueta mudam conforme o tempo ou o lugar — até hoje, os chineses arrotam para mostrar que gostaram da refeição. Mas prefiro acreditar que um pouco de gentileza sem pedantismo nunca vai fazer mal a ninguém.
    Escrever certo deveria ser princípio fundamental para quem gosta de se comunicar. Ironicamente, nunca se escreveu tanto no mundo: nas ruas, salas de espera, ônibus, em qualquer lugar, há sempre alguém mandando um torpedo no seu smartphone do último tipo. Às vezes, chego ao fim do dia exausto de ter “conversado” com gente do mundo inteiro. Espantado, eu me dou conta de não ter aberto a boca. Foi tudo por escrito — e-mail, post, Twitter, torpedo. Se isso acontecer com você, faça como eu: cante alto, solte um palavrão, fale qualquer coisa sem sentido, principalmente se estiver sozinho em casa. Apenas ouça o som que sai da sua garganta. Impeça que sua voz, feia ou bonita, vire um item fora de moda.

Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cultura-lazer/cronica-demode-mario-viana/ Acesso em: 13 set. 2018. 

*Démodé: fora de moda

Há marcas de oralidade em:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito(B)

    A linguagem oral é a linguagem do nosso cotidiano, ou seja, livre de formalidades(uso de abreviações, gírias, expressões em sentido figurado etc). Na alternativa B temos claramente uma marca de oralidade em:

    “Às vezes, chego ao fim do dia exausto de ter “conversado” com gente do mundo inteiro.”

    Na verdade o autor não conversou com o mundo inteiro, ele manteve uma comunicação pelas redes sociais, que não seria bem uma conversa, pois foi tudo digitado, com muitas pessoas, não todas as pessoas do mundo.

    Se tiver algum equívoco, avisem-me.

  • RESPOSTA B

    Oralidade =  Traços das nossas falas cotidianas

  • A oralidade é geralmente marcada pela linguagem coloquial (ou informal).

    Entendo que a oralidade trata de uso de abreviações, gírias, expressões em sentido figurado... Mas não vejo nenhuma oralidade na letra B. Pelo contrário: o uso de aspas deixou o texto bem formal, indicando conhecimento desse sinal para representar certa ironia.

  • Fui na "A" por causa da palavra "caretice".

  • Caretice também é marca de oralidade . Ou estou errado?

    Questão estranha.

  • Acredito que a banca tenha considerado o uso da oralidade pelo fato do autor ter se colocado no texto. Além disso, tem a presença da hipérbole (com gente do mundo inteiro), figura de linguagem muitas vezes utilizada na linguagem falada, marca da oralidade.

    “Às vezes, (EU) chego ao fim do dia exausto de ter “conversado” com gente do mundo inteiro.”

  • Questão absurda com duplo gabarito. Como é recorrente na FUMARC.

    A e B são gabaritos corretos. A alternativa A, pela gíria "careta" utilizada em sua forma derivada, é ainda mais justificável. Traço claro de oralidade.

    As aspas em B, inclusive, são uma forte marca de formalidade e fogem da noção de oralidade, apesar do sentido figurado utilizado, que é outro traço claro de oralidade.

    Não entendi.

  • "Caretice" não é marca de oralidade? Achei estranho!

  • Não!!!! Caretice não é considerada como marca de oralidade, porque seu conceito consta no dicionário, logo, caretice é uma palavra denotativa.

    "Caretice

    Substantivo feminino

    1. qualidade de careta ('conservador', 'abstêmio de droga').
    2. "a c. dos moralistas é a pior de todas"

    1. ato ou dito de careta.
    2. "irritava-se com a c. do companheiro"
  • tá aprendendo com a FGV né FUMARC?????

    safadinha vc, me pegou!!!