- ID
- 3942766
- Banca
- Instituto Excelência
- Órgão
- Câmara de Irineópolis - SC
- Ano
- 2017
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de
Freitas, cercada de jardins e, tendo ao lado, uma bela
piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos
se alastrando pela encosta do morro, comprometesse
tanto a paisagem. Diariamente desfilavam diante do portão
aquelas mulheres silenciosas e magras, lata d’ água na
cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a carinha
de uma criança, olhos grandes e atentos, espiando o
jardim.
Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e
ficavam olhando. Naquela manhã de sábado ele tomava se
gim-tônico no terraço, e a mulher um banho de sol,
estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam
que alguém os observava pelo portão entreaberto. Era um
ser encardido, cujos trapos em forma de saia não
bastavam para defini-la como mulher.
Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita,
silenciosa como um bicho. Por um instante as duas
mulheres se olharam, separadas pela piscina. De súbito
pareceu à dona de casa que a estranha criatura se
esgueirava, portão adentro, sem tirar dela os olhos. Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror
que ela se aproximava lentamente: já atingia a piscina,
agachava-se junto à borda de azulejos, sempre a olhá-la,
em desafio, e agora colhia água com a lata.
Depois, sem uma palavra, iniciou uma cautelosa retirada,
meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco
sumia-se pelo portão. Lá no terraço o marido, fascinado,
assistiu a toda acena. Não durou mais de um ou dois
minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes
tensos de silêncio e de paz que antecedem um combate.
Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
Fernando Sabino. A Mulher do vizinho. 17 ed. Rio de
Janeiro: Record, 1997.
O texto do autor Fernando Sabino escrito em 1977, pode ser classificado um texto do gênero: