A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz
bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos
os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece
vir dos atabaques que ressoam nas macumbas da
religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído
dos bondes onde vão os condutores e motorneiros
grevistas. Uma voz que vem do cais, do peito dos
estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num
comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e
dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que
joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o
Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do
padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados
diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma
voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de
Don’Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. [...] Uma
voz que convida para a festa da luta. Que é como um
samba alegre de negro, como o ressoar dos atabaques
nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora,
valente lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como
a voz de Deus chamava Pirulito, a voz do ódio o
Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos chamava Volta
Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como
nenhuma outra. Porque é uma voz que chama para lutar
por todos, pelo destino de todos, sem exceção. [...]
Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz
para a canção da Bahia, a canção da liberdade. Voz
poderosa que o chama. Voz de toda a cidade pobre da
Bahia, voz da liberdade. [...]
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 3 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008. p. 266-267.
Sobre o trecho transcrito e a obra de onde foi extraído, é correto
afirmar:
I. Diferentemente das outras obras de ficção de Jorge
Amado, essa obra é não ficcional, pois tem um caráter
essencialmente documental. Nela, histórias sobre
personagens reais, recolhidas pelo autor em suas
vivências na cidade de Salvador, constituem um mosaico
de situações vivenciadas por meninos de rua.
II. Nessa obra, o autor consegue agregar seu
posicionamento crítico em relação à injustiça, bem como
sua crença na possibilidade de uma revolução social, com
uma visão e uma linguagem poéticas, evidentes,
principalmente, nas referências e louvores ao sincretismo
religioso, à cidade de Salvador, sua paisagem e sua gente
sofredora.
III. O personagem Pedro Bala é um negro que, quando
adolescente, em Salvador, foi líder de um grupo de
meninos de rua, vítimas da exclusão, da opressão e da
injustiça social. O trecho transcrito expressa a convocação
emocionada que ele, já adulto e sindicalista, faz a seus
antigos companheiros para aderirem à revolução
socialista.
IV. Nesse trecho, o autor expressa os apelos de uma voz
interior de Pedro Bala, como um chamamento íntimo de
todos os oprimidos com quem conviveu em Salvador, que
o convocam a aderir à utopia de criação de uma sociedade
justa, pluralista, democrática e inclusiva, capaz de garantir
a todos os necessários espaços de liberdade.
V. Pedro Bala, já adulto, tem surtos de loucura, nos quais
ouve vozes vinculadas a todas as suas vivências
passadas, em Salvador. O trecho retrata um desses surtos
em que, num delírio épico, ele retoma seus vínculos
identitários e se considera capaz de liderar um processo
revolucionário para resgatar a liberdade dos oprimidos
socialmente e dos discriminados pela opção de fé.
A alternativa em que todas as afirmativas indicadas estão
corretas é a