O texto a seguir, um excerto do conto As Cerejas, de Lygia Fagundes Telles, servirá de base para a questão.
Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por
entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei
meus óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos
em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova... Tia Olívia enfastiada
e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a
voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, fico exausta
no calor... (...)
A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como
que suspensas na poeira do ar - desapareceu tudo sem
deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com
sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão
estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera,
eram de algodão suas cerejas vermelhas.
Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o
recado do chefe da estação pedindo a charrete para a
visita que acabara de desembarcar.
– É Olívia! – exclamou Madrinha. – É a prima! Alberto
escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando,
ficou de avisar. (...)
– Como se já não bastasse esse menino que também
chegou sem aviso...
O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais
do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas
belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.
– Um calor na viagem! – gemeu tia Olívia em meio
de uma onda de perfumes e malas. – E quem é este
rapazinho?
– Pois este é o Marcelo, filho do Romeu – disse Madrinha. – Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do
Alberto...
Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formato de pera. O galho de
cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco. (...)
Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque
preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua. (...)
Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém
como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de
verde e com aquele decote assim fundo.
– É de cera? – perguntei tocando-lhe uma das cerejas.
Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído.
Senti bem de perto seu perfume.
– Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu
cerejas?
– Só na folhinha.
Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo
brilho das cerejas.
– Na Europa são tão carnudas, tão frescas. (...)
Assinale a alternativa que responde à seguinte indagação.
Por que a resposta: “não, tia Olívia, não eram de
cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas” está no
começo do texto, se a pergunta está no final dele?