TEXTO II
PEQUENOS DELITOS
Walcyr Carrasco
Compras do mês. Percorro as prateleiras do supermercado olhando gulosamente tudo aquilo que é
bom mas engorda. Um senhor magro e grisalho para diante dos iogurtes. Olha em torno, cautelosamente.
Agarra uma garrafinha sabor morango, abre e vira na boca, bem depressa. Esconde a embalagem. Disfarço,
mas sigo o homem. Podem me chamar de abelhudo. Sou. Minha desculpa é que só tento entender o
comportamento humano para escrever depois. Dali a pouco o homem pega um pacote de bolachas. Abre.
Come algumas. A sobremesa? Na banca de frutas. Uvas itália tiradas do cacho. Um pêssego pequeno.
Devora. Esconde o caroço no bolso. Nem sei como consegue fazer a digestão, tal a rapidez. Não, não se trata de nenhum MSS — Movimento dos Sem-Supermercado ou coisa que o valha. É um senhor com jeito
de vovozinho e trajes de classe média. Termina as compras de barriga cheia e com expressão de vitória.
— Faço de tudo para não praticar pequenos delitos — conta uma amiga.
— É uma responsabilidade pessoal.
Culposamente, lembro de quando vou comprar fruta seca. Adoro uva passa. Com a desculpa de
experimentar, pego uma. Duas. Três. Trezentas! Outra amiga é absolutamente contra camelôs. Diz que
emporcalham a cidade. Há uma semana chegou com um brinquedo para os filhos.
— Paguei baratinho — contou animada.
— Era de uma banquinha do centro da cidade. Espantei-me.
— Você não é contra?
— Sou contra, mas não sou burra!
Pode? Hoje em dia se fala muito em ética. Mas, quando podem dar o golpe nas pequenas coisas,
muita gente se sente orgulhosa. Conheço uma livraria, em Pinheiros, onde sempre se aceita devolução.
Recentemente uma senhora levou seu exemplar. A gerente não reconheceu o livro. A cliente teimou. Ela
verificou todas as notas. Simplesmente o título não havia sido negociado. Insistiu:
— Eu troco, desde que a senhora me diga a verdade. Não é daqui, é?
A mulher reconheceu: havia comprado o exemplar há tempos, em outro lugar. Mesmo assim, aceitou
a troca e saiu satisfeitíssima com um livro novo. Outra cliente levou o livro de atividades do filho,
acompanhada pela criança. Trocou. Dias depois se descobriu que os questionários internos estavam
preenchidos a mão. Era golpe.
— Que exemplo essa mulher dá ao filho? — admira-se a moça.
E quando o troco vem errado? Confesso que a minha primeira reação é de alegria! De repente, tenho
mais dinheiro do que pensava. Em seguida lembro que a diferença será paga pelo caixa. Devolvo. Já vi
gente feliz da vida porque o dono da loja fez confusão nos preços. Outra coisa que odeio é emprestar e não
receber. Há uma predisposição, para não pagar pequenas dívidas. Mesmo quem empresta fica sem jeito.
— São só cinco reais... não faço questão.
Como se fosse feio receber o que é seu! Já ouvi, uma vez que reclamei.
— Pão-duro! Você liga pra mixaria?
Tenho um conhecido que jamais tem dinheiro para dar ao manobrista. Sempre pede um trocado. Se
eu não tenho, pede desculpas ao homem.
— Da próxima vez, dou em dobro. Ou então:
— Saí sem talão de cheques. Hoje você paga o jantar, o próximo é meu. Ah, que raiva! De facadinha em facadinha, faz uma bela economia.
Surrupiar um queijinho no supermercado parece não ter sequer importância. Mas os pequenos delitos,
quando somados, tornam a vida na cidade grande ainda mais selvagem.
Fonte: https://comissaodecultura.files.wordpress.com/2011/06/walcyr-carrasco-pequenos-delitos-e-outras-crc3b4nicas.pdf
Assinale a alternativa que contenha um episódio correspondente a um delito que o cronista
reconheceu ter praticado: