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ID
4005049
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Araruama - RJ
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder à questão.


Restos de Carnaval


    Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval.Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
    No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé da escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
    E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério.Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
    [...]
    Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
    [...]
    Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
    Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. Aalegria dos outros me espantava.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina . Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 25-28

Observe os fragmentos e leia as afirmativas a seguir.

1. Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância”
2. “Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.”

I. No trecho 1, a memória transporta a narradora do presente ao passado.
II. No trecho 2, a emoção transporta a narradora do presente em direção ao futuro e, depois, novamente em direção ao passado.
III. O elemento que organiza o tempo nesses fragmentos é o fluxo da memória e das sensações da narradora.

Está correto o que se afirma em:

Alternativas
Comentários
  • Complementando...

    Como se sabe, a entrada em vigor de uma nova Constituição produz três efeitos principais: (1) a Constituição anterior é integralmente revogada; ela é inteiramente retirada do mundo jurídico, deixando de ter vigência e, consequentemente, validade, eis que não se aceita no Brasil a tese da desconstitucionalização automática, i.e., recepção da Constituição anterior com status infraconstitucional sem previsão expressa na nova Constituição; (2) as normas infraconstitucionais editadas na vigência da Constituição pretérita que forem materialmente compatíveis com a nova Constituição serão por ela recepcionadas; e (3) as normas infraconstitucionais editadas na vigência da Constituição pretérita que forem materialmente incompatíveis com a nova Constituição serão por ela revogadas.

    Perceba-se que a recepção depende somente de que exista uma “compatibilidade material” (quanto ao conteúdo) entre as normas infraconstitucionais anteriores e a nova Constituição. A “compatibilidade formal” não é necessária. Nesse caso, o status da norma recepcionada será definido pela nova Constituição.

    Portanto, para uma lei ser “recepcionada” pela nova ordem constitucional, ela precisa preencher os seguintes requisitos: (1) estar em vigor no momento do advento da nova Constituição; (2) não ter sido declarada inconstitucional durante a vigência da Constituição anterior; (3) ter compatibilidade formal e material perante a Constituição anterior, sob cuja regência fora editada; e (4) ter compatibilidade material com a nova Constituição, pouco importando a compatibilidade formal.