Leia o trecho do romance Triste fim de Policarpo Quaresma,
de Lima Barreto, para responder à questão.
Quaresma viveu lá, no manicômio, resignadamente, conversando com os seus companheiros, onde via ricos que se
diziam pobres, pobres que se queriam ricos, sábios a maldizer da sabedoria, ignorantes a se proclamarem sábios; mas,
deles todos, daquele que mais se admirou, foi de um velho e
plácido negociante da Rua dos Pescadores que se supunha
Átila1
. Eu, dizia o pacato velho, sou Átila, sabe? Sou Átila.
Tinha fracas notícias da personagem, sabia o nome e nada
mais. Sou Átila, matei muita gente – e era só.
Saiu o major mais triste ainda do que vivera toda a vida.
De todas as cousas tristes de ver, no mundo, a mais triste é a
loucura; é a mais depressora e pungente.
Aquela continuação da nossa vida tal e qual, com um
desarranjo imperceptível, mas profundo e quase sempre
insondável, que a inutiliza inteiramente, faz pensar em alguma cousa mais forte que nós, que nos guia, que nos impele
e em cujas mãos somos simples joguetes. Em vários tempos
e lugares, a loucura foi considerada sagrada, e deve haver
razão nisso no sentimento que se apodera de nós quando,
ao vermos um louco desarrazoar, pensamos logo que já não
é ele quem fala, é alguém, alguém que vê por ele, interpreta
as cousas por ele, está atrás dele, invisível!...
(Triste fim de Policarpo Quaresma, 1992.)
1 Átila: rei dos hunos, governou o maior império europeu de seu tempo, desde
o ano 434 até sua morte em 453; muitas lendas o retratam como um imperador violento e cruel.
Embora o texto seja narrativo, há nele trechos em que o tom
argumentativo, característico da dissertação, se faz presente,
como se observa em: