Observe as estrofes do poema abaixo:
“No deserto de Itabira
a sombra de meu pai
tomou-me pela mão.
Tanto tempo perdido.
Porém nada dizia.
Suspiro? Voo de pássaro?
Porém nada dizia.
Longamente caminhamos.
Aqui havia uma casa.
A montanha era maior.
Tantos mortos amontoados,
o tempo roendo os mortos.
E nas casas em ruína,
desprezo frio, umidade.
Porém nada dizia.
A rua que atravessava
a cavalo, de galope,
seu relógio. Sua roupa.
Seus papéis de circunstância.
Suas histórias de amor.
Há um abrir de baús
e de lembranças violentas.
Porém nada dizia.
No deserto de Itabira
as coisas voltam a existir,
irrespiráveis e súbitas.
O mercado de desejos
expõe seus tristes tesouros;
meu anseio de fugir;
mulheres nuas; remorso.
Porém nada dizia.” (...)
(ANDRADE, C.D. “Viagem na família”. José. Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. p. 72)
O poema “Viagem na família”, de Carlos
Drummond de Andrade, é uma investigação
poderosa nos subterrâneos de uma tradicional
família no interior de Minas Gerais, onde o contato
com o passado se revela por meio de imagens
provocantes, desvelando marcas de uma consciência
poética muito sensível. No final de cada estrofe, a
repetição terrível do silêncio do fantasma paterno,
que precisa ser decifrado, mas o que ela sugere: