SóProvas


ID
4063567
Banca
CIEE
Órgão
TRE-DF
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Marcha noturna

Então Deus puniu a minha loucura e soberba; e quando desci ruelas escuras e desabei do castelo sobre aldeia, meus sapatos faziam nas pedras irregulares um ruído alto. Sentia-me um cavalo cego. Perto era tudo escuro; mas adivinhei o começo da praça pelo perfil indeciso dos telhados negros no céu noturno. 

De repente a ladeira como que encorcovou sob meus pés, não era mais eu o cavalo, eu montava de pé um cavalo de pedras, ele galopava rápido para baixo. 

Por milagre não caí, rolei vertical até desembocar no largo vazio; mas então divisei uma pequena luz além. O homem da hospedaria me olhou com o mesmo olhar de espanto e censura com que os outros me receberiam – como se eu fosse um paraquedista civil lançado no bojo da noite para inquietar o sono daquela aldeia. 

– Só tenho seis quartos e estão todos cheios; eu e outro homem vamos dormir na sala; aqui o senhor não pode ficar de maneira alguma. 

Disse-me que, dobrando à esquerda, além do cemitério, havia uma casa cercada de árvores; não era pensão mas às vezes colhiam alguém. Fui lá, bati palmas tímidas, gritei, passei o portão, dei murros na porta, achei uma aldraba de ferro, bati-a com força, ninguém lá dentro tugiu nem mugiu. Apenas o vento entre árvores gordas fez um sussurro grosso, como se alguns velhos defuntos aldeões, atrás do muro do cemitério, estivessem resmungando contra mim. 

Havia outra esperança, e marchei entre casas fechadas; mas, ao cabo da marcha, o que me recebeu foi a cara sonolenta de um homem que me desanimou com monossílabos secos. Lugar nenhum; e só a muito custo, e já inquieto porque eu não arredava da porta que ele queria fechar, me indicou outro pouso. Fui – e esse nem me abriu a porta, apenas uma voz do buraco escuro de uma alta janela me mandou embora.

“Não há nesta aldeia de cristãos um homem honesto que me dê pouso por uma noite? Não há sequer uma mulher desonesta?” Assim bradei, em vão. Então, como longe passasse um zumbido de aeroplano, me pus a considerar que o aviador assassino que no fundo das madrugadas arrasa com uma bomba uma aldeia adormecida – faz, às vezes, uma coisa simpática. Mas reina a paz em todas estas varsóvias escuras; amanhã pela manhã toda essa gente abrirá suas casas e sairá para a rua com um ar cínico e distraído, como se fossem pessoas de bem. 

Não há um carro, um cavalo nem canoa que me leve a parte alguma. Ando pelo campo; mas a noite se coroou de estrelas. Então, como a noite é bela, e como de dentro de uma casinha longe vem um choro de criança, eu perdoo o povo de França. Marcho entre macieiras silvestres; depois sinto que se movem volumes brancos e escuros, são bois e vacas; ando com prazer nessa planura que parece se erguer lentamente, arfando suave, para o céu de estrelas. Passa na estrada um homem de bicicleta. Para um pouco longe de mim, meio assustado, e pergunta se preciso de alguma coisa. Digo-lhe que não achei onde dormir, estou marchando para outra aldeia. Não lhe peço nada, já não me importa dormir, posso andar por essa estrada até o sol me bater na cara. 

Ele monta na bicicleta, mas depois de alguns metros volta. Atrás daquele bosque que me aponta passa a estrada de ferro, e ele trabalha na estaçãozinha humilde: dentro de duas horas tenho um trem.

Lá me recebe pouco depois, como um grã- -senhor: no fundo do barracão das bagagens já me arrumou uma cama de ferro; não tem café, mas traz um copo de vinho.

Já não quero mais dormir; na sala iluminada, onde o aparelho do telégrafo faz às vezes um ruído de inseto de metal, vejo trabalhar esse pequeno funcionário calvo e triste – e bebo em silêncio à saúde de um homem que não teme nem despreza outro homem.

(Rubem Braga. – 200 crônicas escolhidas. 31ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.)

No trecho “Disse-me que, dobrando à esquerda, além do cemitério, havia uma casa cercada de árvores (...)” (5º§), o acento indicativo de crase foi empregado corretamente. É correto afirmar que o seu uso é facultativo em:

Alternativas
Comentários
  • A questão é sobre crase e quer saber em qual das afirmativas abaixo o uso da crase é FACULTATIVO. Vejamos:

    A) Vou até à aldeia agora.

    Após a preposição "até" a crase é facultativa: Vou até à aldeia agora OU Vou até a aldeia agora.

     . 

    B) Ele dormiu na pensão à noite, embora estivesse amedrontado.

    Nesse caso a crase é obrigatória, para marcar a locução adverbial (à noite).

     . 

    C) Estamos à espera do funcionário que trabalha naquele trem.

    Nesse caso a crase é obrigatória, para marcar a locução adverbial (à espera).

     . 

    D) À medida que eu andava, meus sapatos machucavam impiedosamente os meus pés.

    Nesse caso a crase é obrigatória, para marcar a locução de natureza conjuntiva (à medida que).

     . 

    Gabarito: Letra A

  • Crase é facultativa:

    1- depois de "até"

    2- antes de pronome possessivo feminino, ex: sua.

    3- antes de nome feminino sem sobrenome.

    Obs: não é sempre, depende de cada caso.

  • Para matar todas as questões de crase:

    Crase OBRIGATÓRIA:

    1-Casos de regência (A+A): ele referiu-se à nota que tirou no exame.

    2- Locuções femininas: (ÀS PRESSAS/ ÀS 2 HORAS etc ): Ele saiu às pressas

    Crase FACULTATIVA:

    1- Antes de pronome possesivo feminino: (Minha, sua etc) Dei o presente à/a sua irmã

    2-Antes de nome próprio feminino: (MARIA, LARA etc): Dei o presente à/a Maria

    3- Após o Até: Nós fomos até à/a praia

    Crase PROIBIDA:

    1- Antes de Casa (quando não vier determinada): Voltei a casa

    2- Terra contrário a bordo: Os tripulantes da nave voltaram a Terra

    3- Palavras de sentido geral: Ele tem alergia a vacinas

    #TRT15

  • Vou até à aldeia agora.

    Preposição até- uso de crase facultativo