Texto 1
ACORDA, MENINO!
O que diz o menino que dorme na praia? Talvez fale dos perigos do mar, da displicência dos pais. Ou de um
assassinato a ser esclarecido.
Mas é só um menino. Não deveria nos dar esta sensação de naufrágio da humanidade. Há dias, não adianta
acusar governos, etnias, religiões, porque a falta de ar não cessa.
É lágrima que não pinga, não seca nem escorre. É mais que um cadáver, é um assombro, uma dor insepulta de
que tentamos nos livrar.
E ainda suspeitamos de nós mesmos.
Em nome dos deuses fazemos coisas que até o diabo duvida. Duvida e se defende, dizendo que não chegaria a
tanto, embora comemore o resultado.
Queríamos não ter visto nem sabido — maldito fotógrafo, maldita web e maldita imagem que, mesmo
escorraçada da memória, dorme no tapete da sala e à noite repousa no nosso travesseiro, naquela pose mesmo que
o mar beijava.
Fica-nos a sensação de que Alá deu de ombros, Jeová lavou as mãos e, embriagados na bacanal do Olimpo, os
outros também ignoraram o presente de grego numa praia do Mediterrâneo.
Enquanto isso, no Hades, dançando e atualizando Castro Alves com outras infâmias no mar, ri-se Satanás.
http://www.cronicadodia.com.br/2015/09/acorda-menino-albir-jose-inacio-da-silva.html
O texto 1 “Acorda, menino!” é uma crônica que remete a um retrato de um menino encontrado morto na
praia da Turquia após naufrágio. A cena comoveu o mundo. São características da crônica, EXCETO: