Leia o texto a seguir para responder à questão.
Quem escreve as bulas?
Quando me perguntam a profissão e eu digo que sou escritor, logo vem outra em cima: de que? De tudo,
minha senhora. De tudo, menos de bula.
Romance, cinema, teatro, televisão, poesia, ensaios, tudo tudo, menos bula! Não que eu não aprecie as
bulas. Pelo contrário. Adoro lê-las. E com atenção. E, sempre, depois de ler uma, já começo a sentir todas as
"reações adversas".
Admiro, invejo esse colega que escreve bulas. Fico imaginando a cara dele, como deve ser a sua casa. Que
papo tal escrivão deve levar com a mulher e com os vizinhos? Quanto ele ganha por bula? Será que ele leva os
obrigatórios dez por cento de direitos autorais? Merecem, são gênios.
Jamais, numa peça de teatro, num roteiro de um filme ou mesmo numa simples crônica conseguiria a
concisão seguinte: "é apresentado sob forma de uma solução isotônica (que lindo!) de cloreto de sódio, que não
altera a fisiologia das células da mucosa nasal, em associação com cloreto de benzalcônio". Sabe o que é? O velho
e inocente Rinosoro.
Vejam o texto seguinte e sintam na narrativa como o autor é sádico: "você poderá ter sonolência, fadiga
transitória, sensação de inquietação, aumento de apetite, confusão acompanhada de desorientação e alucinações,
estado de ansiedade, agitação, distúrbios do sono, mania, hipomania, agressividade, déficit de memória, bocejos,
despersonalização, insônia, pesadelos, agravamento da depressão e concentração deficiente. Vertigens, delírios,
tremores, distúrbios da fala, convulsões e ataxia". Pronto, tenho que ir ao dicionário ver o que é ataxia. Já sentindo
tudo descrito acima. Quem mandou ler?
E lembre-se sempre: todo medicamento deve ser mantido fora do alcance das crianças. E não tome remédio
sem o conhecimento do seu médico. Pode ser perigoso para a sua saúde. E pra cabeça!
PRATA, Mário. Quem escreve as bulas?, 2009. (Adaptado).
Que traço característico do escritor de bulas de remédio permite que Mário Prata o identifique como um
sádico?