I. Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o
rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas caíram naturalmente, e eu
vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não
era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão
que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que, apesar da pouca claridade, podia contá-las do
meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o
que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca.
Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e
rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos.
ASSIS, Machado de. Missa do galo: variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Summus, 1977. p. 17.
II. Hoje, sinto-me especialmente bem. Muito alivia-me o Natal quando se avizinha. Mais
uma estação vencida galhardamente. Logo depois do almoço apurei-me na colônia, fui bem farto
ao passá-la pelo corpo. Encareci a Conceição que se encarregasse pessoalmente de meus
trajes. Afinal, um homem é a sua aparência. Como sempre, obedeceu-me. A bem da verdade,
ela jamais me desagravou com atitudes hostis. E mesmo quando supôs que da rua eu trazia-lhe
algum desgosto, nunca me levantou a voz. E não é feia, a minha Conceição. Ocorre apenas que
os mesmos encantos que em outra mulher reluzem firmemente, nela, por mistério que não
explico, simplesmente empalidecem. Com esta verdade, já estou bem conformado. Se ao menos
Conceição soubesse rir!
PIÑON, Nélida. Missa do galo: variações sobre o mesmo tema. São Paulo: Summus, 1977. p. 26.
No trecho I, o personagem narrador revela-se