SóProvas


ID
4144135
Banca
INAZ do Pará
Órgão
Prefeitura de São Sebastião da Boa Vista - PA
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para a questão

Era uma vez, uma Agulha, que disse a um novelo de Linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa, neste mundo? 

— Deixe-me, Senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, Senhora? A Senhora não é alfinete, é Agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas, por quê? 

— É boa! Porque coso. Então, os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... 

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador. 

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a Costureira chegou à casa da Baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma Baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a Costureira, pegou do pano, pegou da Agulha, pegou da Linha, enfiou a Linha na Agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da Costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a Agulha:

— Então, Senhora Linha, ainda teima no que dizia, há pouco? Não repara que esta distinta Costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima. 

A Linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela Agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A Agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a Costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. 

Veio a noite do baile, e a Baronesa vestiu-se. A Costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a Agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a  um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a Linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da Baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com Ministros e Diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a Agulha não disse nada; mas um Alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre Agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

—Também eu tenho servido de Agulha a muita linha Ordinária! 

(Assis, Machado de. www.releituras.com/machadodeassis_apólogo.asp)

Em relação ao texto acima, assinale a afirmativa que melhor o descreve em relação ao seu conteúdo semântico e tipologia textual:

Alternativas
Comentários
  • Gente, esse gabarito está errado. O correto, conforme a própria banca, é o item E. A gente se lasca para estudar, vai testar os conhecimentos encontra um site que expõe a alternativa errada, a gente fica se sentido péssima. Já valeu a pena assinar isso aqui, viu..

  • concordo plenamente! A alternativa correta é a letra E.

  • Fui conferi o gabarito da banca que realizou essa prova, e a alternativa D consta como correta.

  • Considero que só é possível responder por eliminação, pois a alternativa dada como correta pela banca é um pouco subjetiva.

    A) Retrata a história de apenas dois personagens: uma Agulha e um novelo de Linha, os quais discutem sobre a importância que possuem, na sociedade, numa crônica divertida e relevante. ERRADA

    Há também outros personagens, ex: Alfinete. O texto também não é uma cronica, e sim um conto, é o mais famoso apólogo escrito por Machado de Assis.

    B) Trata-se de uma narrativa que encerra uma mensagem de fundo moral, mostrando uma personagem orgulhosa (Agulha) que faz questão de se mostrar superior a uma personagem humilde (Linha). Esta prefere o silêncio a ter um caráter manchado pelo orgulho e pela vaidade. ERRADA

    Por interpretação, extraímos do texto que a personagem Linha não é humilde. Vide: ''— Mas você é orgulhosa.

    — Decerto que sou.''

    C) Machado de Assis escreveu esta crônica com base nas situações cotidianas da vida, haja vista que, em toda parte, sempre há pessoas que possuem sentimentos de superioridade ou mesmo de inferioridade e demonstram esses sentimentos com palavras e atitudes. ERRADA

    Como dito anteriormente, não é uma cronica, e sim um conto.

    D) O autor nos apresenta uma visão do ser humano como um ser patológico, apresentando um conto de humor sutil, nos fazendo reviver e analisar os valores humanos. CORRETA

    E) Trata-se de uma crônica narrativa, em que as personagens (Agulha e Linha) discutem sobre qual das duas possui mais relevância, na sociedade. Ao final, um outro personagem (Alfinete) entra em cena, transmitindo uma mensagem de Inteligência e esperteza ao leitor. ERRADA

    Apesar de considerar a explicação dessa alternativa correta, o fato de mencionarem que trata-se de uma cronica, torna a alternativa errada.

    Crônica é o tipo de texto que aborda acontecimentos do dia a dia em uma narração curta e situa-se entre o jornalismo e a literatura, tem como objetivo fazer uma análise crítica das situações cotidianas, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre aquele assunto. Em resumo, a crônica pode ser entendida como um retrato verbal particular dos acontecimentos urbanos e, embora não seja uma regra, a crônica relata de forma diferenciada as ocorrências, seja de forma artística, em tom crítico ou com humor.

    Conto é narrativa breve escrita em prosa, sendo mais curto que o romance e a novela. Tal qual um texto narrativo, ele envolve enredo, personagens, tempo e espaço. Os maiores contistas brasileiros são: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Luiz Fernando Veríssimo e Dalton Trevisan.

    Aqui está uma boa explicação do que é um APÓLOGO, e informações complementares sobre o texto base da questão acima: https://www.infoescola.com/generos-literarios/apologo/

  • Machado de Assis é um dos principais CONTISTAS brasileiros, portanto alternativa correta D.