- ID
- 4982326
- Banca
- ADM&TEC
- Órgão
- Prefeitura de Palmeira dos Índios - AL
- Ano
- 2019
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
A Orientação Social do Enunciado
Nós sabemos que todo discurso é um discurso dialógico orientado em direção a alguém que seja capaz de compreendê-lo e dar-lhe uma resposta, real ou virtual. Esta orientação em direção ao “outro”, em direção ao ouvinte, conduz necessariamente a se levar em conta a relação social e hierárquica que existe entre os interlocutores. Nós já mostramos, em nosso artigo precedente, as modificações que se produzem na forma do enunciado de acordo com a situação do locutor e do ouvinte, e de acordo com o todo do contexto social do enunciado. Nós propomos chamar de “orientação social” do enunciado, esta dependência do enunciado face ao peso hierárquico e social do auditório (isto é, tendo em vista a(s) classe(s) social(is) a qual pertence(m) os interlocutores, sua situação financeira, sua profissão, sua função; ou ainda, como era o caso da Rússia anterior à reforma de 1861, em face do número de camponeses que eles possuíam, seu capital etc.).
Esta orientação social estará presente em todo enunciado verbal
ou gestual – a mímica, por exemplo –, qualquer que seja a forma
que ele adote: o monólogo – um homem falando para si mesmo
– ou o diálogo – duas ou mais pessoas participando de uma
conversa. A orientação social é precisamente uma das forças
vivas e constitutivas que, ao mesmo tempo em que organizam o
contexto do enunciado – a situação –, determinam também a
sua forma estilística e sua estrutura estritamente gramatical.
E é justamente na orientação social que se encontra refletido o
auditório do enunciado, seja ele realmente presente ou
simplesmente pressuposto, fora do qual nenhum ato de
comunicação verbal se desenvolve nem pode se desenvolver.
O escritor que não cria unicamente os enunciados de seus
personagens, mas cria igualmente o seu aspecto exterior, tem
interesse em observar que aquilo a que se chama de “boas
maneiras” – o modo de comportar-se em sociedade – nada mais
realiza do que “a expressão gestual da orientação social do
enunciado”.
Esta manifestação exterior e física da conduta social – o
movimento das mãos, a pose, o tom da voz –, que acompanham habitualmente o discurso, é, antes de mais nada, determinado
pela consideração do auditório e pela sua avaliação. O que
significam as “boas maneiras” de Tchitchkov – maneiras que,
inclusive, tomam diferentes formas se ele se encontra com
Korobotchka, com Pliouchkine ou com o general Betrichtchev -,
senão que elas são a impressão gestual de uma constante
consideração do auditório, de uma avaliação sutil da situação
social do seu interlocutor, que são a própria essência do seu
caráter e representam a condição necessária ao sucesso de
suas iniciativas?
A palavra, o gesto da mão, a expressão do rosto e a postura do
corpo são igualmente submissos à orientação e por ela
estruturados; as “más maneiras” refletem o fato de que não se
leva em conta o interlocutor, refletem a ignorância acerca do laço
social e hierárquico existente entre o locutor e o ouvinte, e o
hábito, quase sempre inconsciente, de não se modificar a
orientação social dos seus enunciados – sejam expressos em
palavra ou em gesto – enquanto as condições sociais e o
auditório se encontram modificados.
Esta a razão pela qual o escritor, quando decide dotar um de
seus personagens de “boas” ou “más” maneiras, deve sempre
considerar que estas maneiras não são explicáveis como mero
resultado de “algumas particularidades inatas” ou como
expressão do seu “caráter”. Pode-se afirmar que, a rigor, o
personagem é devedor de sua educação, mas não se pode
esquecer que a educação corresponde ao esforço por habituar a
pessoa a sempre levar em conta seu auditório – dá-se a isto o
nome de “saber se comportar socialmente” -, a exprimir pelo
gesto ou pela mímica, mas de modo conforme e prudente, a
orientação social dos seus enunciados.
(BAKHTIN, M. M.; VOLOSHINOV, V. N. Discourse in life and
discourse in art–concerning sociological poetics. In:
VOLOSHINOV, V.N. Freudism. New York: Academic Press, 1976.
Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza (uso
didático)).
NOTA: Pável Ivánovitch Tchítchicov (ou Tchitchkov) é o
personagem central da obra “Almas Mortas”, clássico russo e a
grande obra-prima de Nikolai Gógol (1809-1852). A narrativa traz
a história de um especulador de São Petersburgo que chega a
uma cidade de província e procura conquistar, com suas boas
maneiras, a simpatia da sociedade e dos senhores de terras
locais. Seu objetivo: comprar "almas mortas", ou seja, servos já
falecidos, mas que ainda não haviam sido declarados como tal
no último censo. É em torno desse tema - que lhe teria sido
sugerido por Púchkin - que Gógol tece um dos retratos mais
certeiros, a um só tempo satírico e afetuoso, do povo russo. O
protagonista buscava vantagens, respeito, circulava entre o alto
escalão da sociedade e utilizava estratégias fora do comum. O
exemplo foi apenas usado pelos autores do texto em questão
para referir-se à percepções sobre a linguagem. (Adaptado.
Disponível em: http://bit.ly/2CiZC9i)
Com base no texto 'A Orientação Social do Enunciado', leia as
afirmativas a seguir:
I. O interlocutor, ou seja, aquele com quem se interage, reflete a
expressão de desejo do locutor, pois este tem poder sobre aquele.
II. Recursos como o movimento das mãos, a pose, o tom da voz
representam a manifestação exterior e física da conduta social de
um indivíduo e são determinados pela situação em que este se
encontra. Isso inclui a consideração do auditório (ouvintes) e sua
avaliação.
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