João Cabral de Melo Neto e a tradição do romance de 30
Por CARVALHO, 2009 (trecho de artigo adaptado).
Quando João Cabral de Melo Neto começou a escrever
poesia no Recife do final dos anos 1930, perdia fôlego a
vigorosa produção de romances de autores nordestinos que
caracterizou um momento decisivo da literatura brasileira:
Rachel de Queiroz, depois de O quinze (1930) e mais três
romances, (1) passaria a se dedicar ao jornalismo; José Lins
do Rego já criara o seu “ciclo da cana-de-açúcar”, (2) antes
de chegar à obra-prima Fogo morto (1943); e Graciliano
Ramos encerrara com Vidas secas (1938) a sua série de
“ficções” para explorar a “confissão” das memórias. O grupo
que Cabral frequentava, liderado por Willy Lewin, preferia
cultivar uma poesia inspirada pelas sugestões do sonho, em
lugar dos estímulos da terra que provocaram poetas da
região durante a década de 1920, como Jorge de Lima,
Ascenso Ferreira, Joaquim Cardozo e Jorge Fernandes. Não
era mais tempo do Primeiro Congresso Regionalista do
Nordeste, no qual, em 1926, Gilberto Freyre lançara seu
célebre manifesto de valorização de temas regionais, mas
sim do Congresso de Poesia do Recife, no qual, em 1941,
Cabral apresentaria sua tese “Considerações sobre o poeta
dormindo”.
Embora a obra de estreia Pedra do sono (1942) muito deva a
esse contexto inicial, nada regionalista, Cabral desde cedo se
tornou leitor dos romancistas nordestinos da década
anterior. Mas seu caminho rumo a uma poesia cada vez
mais centrada em seu aspecto construtivo, culminando em
Psicologia da composição (1947), não incluía, em suas
paisagens solares e desérticas, o Sertão e a Zona da Mata
do Nordeste evocado por aqueles autores. Já em Os três
mal-amados, de 1943, reconhecia, por meio do monólogo
“devorador” de Joaquim, essa ausência:
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água
morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues
crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas
de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas
barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não
saber falar delas em verso. (Melo Neto, 1997a, p.26)
Na tentativa de descrição, reconhecemos o cenário de mais
de um romance de José Lins do Rego, que no máximo
poderia ser expurgado e logo descartado na fala prosaica de
Joaquim, interrompida pelo silêncio. Se não fosse mais um
romance na esteira de Zé Lins e companhia, a poesia parece
que não daria conta de todo um mundo que fora tão bem
representado, inclusive em ensaios.
É justamente fora do país, na Espanha, que Cabral retornou à
sua região. Motivado por ideias marxistas e pela
necessidade de denúncia social na obra de arte, mas sem
prejuízo da sua dimensão estética, escreveu seu primeiro
poema centrado na paisagem e no homem nordestino, O cão
sem plumas (1951), metáfora para o Rio Capibaribe de
Pernambuco. Além disso, para cumprir o ideal de
comunicação com o público, a partir de uma linguagem mais
prosaica, as obras seguintes - O rio (1954) e Morte e vida
Severina (1954-1955) -, baseadas em elementos da poesia
medieval espanhola e da literatura popular nordestina,
fincam a terra natal na poesia cabralina.
(CARVALHO, Ricardo Souza de. João Cabral de Melo Neto e
a tradição do romance de 30. Estud. av, São Paulo, v. 23, n.
67, p. 269-278, 2009.)
Leia o texto 'João Cabral de Melo Neto e a tradição
do romance de 30' e, em seguida, analise as afirmativas
abaixo:
I. Na Espanha, João Cabral retornou à sua região motivado
por ideias reformistas e colonialistas e pela necessidade de
denúncia social na obra de arte, como se pode perceber a
partir da análise dos dados e informações do texto.
II. O texto procura deixar claro para o leitor que, no final dos
anos 1930, perdia fôlego a vigorosa produção de romances
de autores nordestinos que caracterizou um momento
decisivo da literatura brasileira, onde reinavam as obras de
terror psicológico ou mesmo aquelas voltadas para a
valorização das novas tecnologias de fabricação.
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