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ID
5255833
Banca
CESPE / CEBRASPE
Órgão
PM-TO
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 1A2-II


  Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, a beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. A cachorra Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dele, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na caatinga. Sinha Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.

  As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.

  Num cotovelo do caminho, avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar a força.

  Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra. 


Graciliano Ramos. Vidas secas. 107.ª edição (com adaptações). 

Infere-se do texto 1A2-II que

Alternativas
Comentários
  • Se inferência é sinônimo de dedução, não vejo a alternativa D como a correta, eis que está expressa no texto... mais lógico me parece, a alternativa C.

  • Erro da letra C): Sinhá vitória conseguia sim se lembrar de eventos passados,o texto informa que eles apenas não se relacionavam com o contexto em que ela estava inserida.

  • Esta é uma questão de interpretação textual e, portanto, exige leitura atenta do texto. O texto é uma passagem do livro "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. O fragmento aborda a morte do papagaio da família e a busca desesperada por comida no sertão.

    Sobre as alternativas, vejamos:

    A) a cachorra Baleia matou o papagaio para aproveitá-lo como alimento.
    Incorreto, o papagaio foi morto pela Sinha Vitória, como fica claro na passagem: "Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil".

    B) a fome fez Fabiano esquecer-se dos outros viventes à beira do rio.
    Incorreto, segundo o texto, ao ver as "manchas dos juazeiros", Fabiano ignorou a fome, a canseira e os ferimentos com esperança de achar comida.

    C) Sinha Vitória sentia tanta fome que não conseguia lembrar-se de alguns fatos passados de sua vida.
    Incorreto, de acordo com o texto, ela relembrou alguns momentos antigos, mas eles não se relacionavam. 

    D) o papagaio sabia imitar o latido da Baleia. 
    Correto, no final do primeiro parágrafo, o narrador observa que o papagaio "latia arremendando a cachorra". Ele é retomado no texto pelo termo "louro", um meio informal de designar aves como papagaios.

    E) Fabiano levava o gado para pastar perto do rio.
    Incorreto, de acordo com o fragmento, não havia comida disponível. A presença do gado seria uma contradição com a situação de penúria descrita no texto.

    Gabarito da Professora: Letra D .
  • A letra C, diz que Sinha não lembrava, mas na verdade lembrava sim.