SóProvas


ID
5289679
Banca
IDIB
Órgão
CREMERJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I


Quem quer viver para sempre?  


    Eu já deveria estar morto. Ou a caminho de. Para alguns leitores, nunca uma frase soou tão verdadeira. Mas eu falo da história, não de afetos. Se tivesse nascido em Portugal, cem anos atrás, já haveria lápide e caixão. Dá para acreditar que, em inícios do século XX, a esperança média de vida para os homens portugueses rondasse os 35-40 anos? Hoje, andará pelos oitenta. O que significa que, com sorte e algum bom humor do Altíssimo, eu estou apenas a meio da viagem. Se juntarmos os progressos da medicina no futuro próximo, é possível que a viagem seja alargada mais um pouco. Cem anos, cento e tal. Nada mau.  

    Um artigo recente da Nature, aliás, promete revoluções para a minha pobre carcaça. O segredo está no hipotálamo cerebral e numa proteína do dito cujo que regula o envelhecimento humano. Não entro em pormenores, até porque eu próprio não os entendo. Mas eis o negócio: se a proteína é estimulada, os ratinhos morrem mais depressa. Se a proteína é inibida, acontece o inverso. Falamos de ratos, por enquanto, o que significa que a descoberta só terá aplicação imediata entre a classe política. Mas o leitor entende onde quero chegar.  

    E eu quero chegar à maior promessa de todas: o dia em que seremos finalmente imortais. Na história da cultura ocidental, esse dia pode estar no passado distante (ler Hesíodo, ler a Bíblia). Ou pode estar no futuro, como garantem os “trans-humanistas”. Falo de uma corrente bioética perfeitamente respeitável que se dedica a essa causa: o destino da humanidade não está em morrer aos cem. Está em viver indefinidamente depois dos cem, através dos avanços da tecnologia. Porque só a tecnologia permitirá aos homens suplantar a sua infantil condição mortal. O nosso corpo é apenas a primeira casca de todas as cascas que estarão por vir. E quem não gostaria de viver para sempre? 

    Curiosamente, há quem não queira. O filósofo Roger Scruton, em ensaio recente, dedica um capítulo específico aos transhumanistas. O livro intitula-se The Uses of Pessimism and the Dangers of False Hope. Segundo sei, será publicado no Brasil em breve. Recomendo. Primeiro, porque é uma súmula perfeita do pensamento de Scruton, escrito com elegância habitual do autor. Mas sobretudo porque é a mais brilhante refutação do pensamento utópico, e em particular do pensamento utópico trans-humanista de autores como Ray Kurzweil ou Max More, que me lembro de ter lido. Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz de virar o debate do avesso e perguntar: por que motivo a doença e a morte devem ser vistas como males intoleráveis que devemos erradicar? Não será possível olhar para eles como bens necessários?

    Certo, certo: ninguém ama a doença e, tirando casos extremos, ninguém deseja morrer. Mas sem a doença e a morte, a vida não teria qualquer valor em si mesma. Os projetos que fazemos; as viagens com que sonhamos; os amores que temos, perdemos, procuramos; e até a descendência que deixamos – tudo isso parte da mesma premissa: o fato singelo de não termos todo o tempo do mundo. Vivemos, escolhemos, amamos – porque temos urgência em viver, escolher e amar. Se retirarmos a urgência da equação, podemos ainda viver eternamente. Mas viveremos uma eternidade de tédio em que nada tem sentido porque nada precisa ter sentido. Sem importância do efêmero, nada se torna importante. 

    Os trans-humanistas sonham com um mundo pós-humano. É provável que esse mundo seja possível no futuro, quando a técnica suplantar a nossa casca primitiva. Mas esse mundo, até pela sua própria definição, será um filme diferente. Não será um filme para seres humanos tal como os conhecemos e reconhecemos.

    Viver até os cem? Agradeço. Cento e vinte também serve. Mas se me dissessem hoje mesmo que o meu futuro duraria uma eternidade, eu seria o primeiro a pular da janela sem hesitar.

COUTINHO, João Pereira. Vamos ao que interessa: cem crônicas da era da brutalidade. São Paulo: Três Estrelas, 2015.

A respeito do trecho “E eu quero chegar à maior promessa de todas...”, a crase empregada poderá ser mantida caso o verbo em destaque seja substituído por

Alternativas
Comentários
  • O verbo "obedecer" rege a preposição "a". Portanto, a alternativa "obedecer à maior..." está de acordo com a lição. O acento grave sobre o "a" assinala que existe crase na construção. Vejamos: eu quero obedecer a + a maior promessa.

    Outros exemplos: obedecer às leis. Obedecer à banca examinadora.

  • Quem obedece, obedece "a" alguém.

  • Regência:

    A) Ensinar - transitividade: intransitivo e transitivo. E eu quero ensinar(verbo transitivo direto) a maior promessa de todas(objeto direto)...

    B) Informar - transitividade: transitivo direto, transitivo direto e indireto, intransitivo e pronominal. E eu quero informar(verbo transitivo direto) a maior promessa de todas(objeto direto)...

    C) Obedecer - transitividade: transitivo indireto. E eu quero obedecer(verbo transitivo indireto) à maior promessa de todas(objeto indireto)... "obedecer a" preposição + artigo "a maior...".

    D) Planejar - transitividade: transitivo. E eu quero planejar(verbo transitivo direto) a maior promessa de todas(objeto direto)...

    Gab. C

  • Alguém sabe explicar o motivo de não ser "ensinar"? Quem ensina não ensina a alguém...??? Fui só eu que não entendi? KKK

  • No caso do verbo "ensinar" é VTDI, ou seja, quem ensina, ensina algo a alguém.

    @Cristiane Aparecida Paes

  • @Thomas Xavier Ferreira então essa questão tem dois gabaritos ?
  • "E eu quero chegar à maior promessa de todas.."

    Eu substituí o termo "maior promessa de todas" por "Algo" ou "Alguma coisa" para facilitar:

    a) E eu quero ensinar Algo / Alguma coisa

    b) E eu quero informar Algo / Alguma coisa

    c) E eu quero obedecer a Algo / a Alguma coisa (Alt Correta)

    d) E eu quero planejar Algo / Alguma coisa

    Exemplos do colega Moysés: obedecer às leis. Obedecer à banca examinadora.

  • Pra quem está com dúvida por que não é ENSINAR a resposta, perceba: o verbo ensinar vai possuir duas regências ( VTD e VTDI), nessa questão, tem-se que notar qual se aplica melhor. Ao observamos a frase "...ensinar A maior promessa de todas:..." é nítido que na questão acima usa-se o verbo ensinar na forma de VTD.

  • Crase diante de palavra masculina nunca nem vi...

  • C

    obedecer

  • obedecer o verbo tá no infinitivo, não deveria ter crase, confuso essa questão

  • 3 "ar" e 1 "er". Para bom entendedor...