SóProvas


ID
5289682
Banca
IDIB
Órgão
CREMERJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I


Quem quer viver para sempre?  


    Eu já deveria estar morto. Ou a caminho de. Para alguns leitores, nunca uma frase soou tão verdadeira. Mas eu falo da história, não de afetos. Se tivesse nascido em Portugal, cem anos atrás, já haveria lápide e caixão. Dá para acreditar que, em inícios do século XX, a esperança média de vida para os homens portugueses rondasse os 35-40 anos? Hoje, andará pelos oitenta. O que significa que, com sorte e algum bom humor do Altíssimo, eu estou apenas a meio da viagem. Se juntarmos os progressos da medicina no futuro próximo, é possível que a viagem seja alargada mais um pouco. Cem anos, cento e tal. Nada mau.  

    Um artigo recente da Nature, aliás, promete revoluções para a minha pobre carcaça. O segredo está no hipotálamo cerebral e numa proteína do dito cujo que regula o envelhecimento humano. Não entro em pormenores, até porque eu próprio não os entendo. Mas eis o negócio: se a proteína é estimulada, os ratinhos morrem mais depressa. Se a proteína é inibida, acontece o inverso. Falamos de ratos, por enquanto, o que significa que a descoberta só terá aplicação imediata entre a classe política. Mas o leitor entende onde quero chegar.  

    E eu quero chegar à maior promessa de todas: o dia em que seremos finalmente imortais. Na história da cultura ocidental, esse dia pode estar no passado distante (ler Hesíodo, ler a Bíblia). Ou pode estar no futuro, como garantem os “trans-humanistas”. Falo de uma corrente bioética perfeitamente respeitável que se dedica a essa causa: o destino da humanidade não está em morrer aos cem. Está em viver indefinidamente depois dos cem, através dos avanços da tecnologia. Porque só a tecnologia permitirá aos homens suplantar a sua infantil condição mortal. O nosso corpo é apenas a primeira casca de todas as cascas que estarão por vir. E quem não gostaria de viver para sempre? 

    Curiosamente, há quem não queira. O filósofo Roger Scruton, em ensaio recente, dedica um capítulo específico aos transhumanistas. O livro intitula-se The Uses of Pessimism and the Dangers of False Hope. Segundo sei, será publicado no Brasil em breve. Recomendo. Primeiro, porque é uma súmula perfeita do pensamento de Scruton, escrito com elegância habitual do autor. Mas sobretudo porque é a mais brilhante refutação do pensamento utópico, e em particular do pensamento utópico trans-humanista de autores como Ray Kurzweil ou Max More, que me lembro de ter lido. Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz de virar o debate do avesso e perguntar: por que motivo a doença e a morte devem ser vistas como males intoleráveis que devemos erradicar? Não será possível olhar para eles como bens necessários?

    Certo, certo: ninguém ama a doença e, tirando casos extremos, ninguém deseja morrer. Mas sem a doença e a morte, a vida não teria qualquer valor em si mesma. Os projetos que fazemos; as viagens com que sonhamos; os amores que temos, perdemos, procuramos; e até a descendência que deixamos – tudo isso parte da mesma premissa: o fato singelo de não termos todo o tempo do mundo. Vivemos, escolhemos, amamos – porque temos urgência em viver, escolher e amar. Se retirarmos a urgência da equação, podemos ainda viver eternamente. Mas viveremos uma eternidade de tédio em que nada tem sentido porque nada precisa ter sentido. Sem importância do efêmero, nada se torna importante. 

    Os trans-humanistas sonham com um mundo pós-humano. É provável que esse mundo seja possível no futuro, quando a técnica suplantar a nossa casca primitiva. Mas esse mundo, até pela sua própria definição, será um filme diferente. Não será um filme para seres humanos tal como os conhecemos e reconhecemos.

    Viver até os cem? Agradeço. Cento e vinte também serve. Mas se me dissessem hoje mesmo que o meu futuro duraria uma eternidade, eu seria o primeiro a pular da janela sem hesitar.

COUTINHO, João Pereira. Vamos ao que interessa: cem crônicas da era da brutalidade. São Paulo: Três Estrelas, 2015.

No trecho “Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz...”, a ocorrência da crase dar-se-ia caso

Alternativas
Comentários
  • Isso se deve, em grande parte, à ação corajosa de Scruton ter sido capaz...”

    Algo é devido "ao" ou "a"... preposição "a" exigida pelo termo "deve" e artigo definido feminino no singular usado antes de "ação corajosa".

    Gab. D

  • "AÇÃO CORAJOSA' - BASTA SUBSTITUIR POR OUTRO SUBSTANTIVO MASCULINO. SE HOUVER A COMBINAÇÃO DA PREPOSIÇÃO "A", COM O ARTIGO "O", HAVERÁ CRASE!!!

    A AÇÃO CORAJOSA - AO FATO CORAJOSO.

  • Qual é o erro da alternava "B"?

    Ajudem-me por favor.

  • Gab "D"

    Porém, na Letra B poderia ser possível a crase.

    Vejamos:

    TRECHO ORIGINAL: “Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz...”

    LETRA B: “Isso se deve, em grande parte, ÀS ASSISTÊNCIAS de Scruton ter sido capaz...”

    Agora, a questão deveria deixar claro sobre a pluralidade ou a singularidade da mudança.

    Audaces Fortuna Juvat

  • CUIDADO

    A questão possui duplo gabarito

    O enunciado é vago, nada citando sobre manutenção da correção e coerência ou mesmo sobre possíveis, e necessárias, adaptações na construção. Diante da pobreza do enunciado, cabe ao candidato apenas avaliar se as substituições propostas, de algum modo, dariam ensejo à utilização da crase.

    Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz...”

    A) “ao” fosse substituído por “a”.

    incorreta. O termo "ao" é a aglutinação do pronome "a" com o artigo definido "o", que acompanha o substantivo "fato". A troca proposta pela banca é apenas a supressão do artigo e manutenção da preposição, não havendo que se falar em marcação de crase.

    B) “fato” fosse substituído por “assistências”.

    Correta. Como apontado no início da presente análise, o silêncio da banca permite supor a adequação da construção, de forma a acomodar a substituição requerida.

    Isso se deve, em grande parte, às assistências corajosas de Scruton terem sido capazes...”

    Feitas as devidas alterações para que se mantenha a concordância, e supondo que o artigo existente junto do termo original permaneça, ainda que devidamente adaptado, na substituição, estão presentes as condições para a marcação do fenômeno crásico.

    C) “corajoso” fosse substituído por “primordial”.

    Incorreta. O termo a ser substituído é simples adjunto adnominal do substantivo ao qual se refere. Sua substituição em nada altera a regência dos termos anteriores.

    D) “fato corajoso” fosse substituído por “ação corajosa”.

    Correta. Novamente com base no silêncio do enunciado, supondo-se que o artigo que antecede o termo original seja mantido e devidamente alterado para que se mantenha a concordância, estão presentes as condições para a ocorrência da crase.

    Isso se deve, em grande parte, à ação corajosa de Scruton ter sido capaz...”

    Gabarito da banca na alternativa D

    Gabaritos corretos nas alternativas B e D

  • Pessoal, eu também marquei B, mas se mudássemos para "Às assistências", depois de "Scruton", também deveria de ser substituído "ter sido" por "terem sido" no plural.

  • se fosse a B correta, deveria mudar mais palavras do trecho para ter uma concordância. então o gabarito é D
  • Acredito que não seja Letra B,mesmo parecendo um pouco,pois substituindo a palavra "fato" por "assistências" ficaria: “Isso se deve, em grande parte,a assistências corajosas de Scruton ter sido capaz...”,ou seja, não coloca-se crase quando a devido a palavra está no plural e a preposição "a" não.

  • É POSSIVEL ÀS ASSISTÊNCIAS.

  • Galera, alternativa D) correta.

    Por que não a B)? "Assistências está no plural, logo, teria que ser "aos FATOS".

    Mas por está no singular, o correto é "ação corajosa"

  • D

    “fato corajoso” fosse substituído por “ação corajosa”.

  • Pessoal falando que a B também é correta, entretanto a crase no singular não deve ser empregada junto a palavras no plural. O fenômeno da crase existe quando há uma fusão (ou contração) entre a preposição "a" e o artigo definido feminino "a". Logo, se a palavra seguinte à preposição "a" for feminina, mas plural, o acento grave indicativo da crase é dispensado. No caso com a substituição sugerida pela alternativa B, teríamos: "Isso se deve, em grande parte, ÀS ASSISTÊNCIAS de Scruton ter sido capaz...” Veja que o período "ter sido capaz" está no singular e a questão estaria errada, pois teria de mudar todo o período para encaixar corretamente e fugiria a ideia do comando da questão. A única correta e coerente seria a alternativa D, pois na troca, não feriria o período e se enquadraria perfeitamente no que pede a questão.

  • FRASE: Isso se deve, em grande parte, ao fato corajoso de Scruton ter sido capaz...”

    É só fazer as substituições de acordo com cada alternativa.

    a) ao” fosse substituído por “a”. - Isso se deve, em grande parte, a fato corajoso ... (crase proibida antes de palavra Masc.

    b) “fato” fosse substituído por “assistências”. - Isso se deve, em grande parte, ao assistências corajoso ...

    c) “corajoso” fosse substituído por “primordial”. - Isso se deve, em grande parte, ao fato primordial ...

    d) “fato corajoso” fosse substituído por “ação corajosa”. Isso se deve, em grande parte, à ação corajosa ...

    Gabarito: D.